quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Eu acho



"Eu acho que choro para dentro como as grutas. Não se vê de fora. Tenho enorme pudor em chorar. A última vez que me lembro de chorar muito, foi numa passagem de ano e fechei-me na casa de banho para não me ver chorar. Para nem eu lá estar enquanto chorasse..."


António Lobo Antunes

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Caminhos da água



Viagem ao centro da terra pelos caminhos da água na pedra, séculos escondidos a esculpirem formas do inconsciente que se vão adequando à nossa descoberta.

A narrativa do silêncio que por dentro sufoca numa inconstância inovada, a chamar do fundo uma génese avulsa e esfriada de assalto, como uma garganta pejada de grumos vedados.

A história da união entre elementos dissolvidos em antros de carne recriada, a escorrer um sentido pregado de sentinela que celebra uma presença eterna.

P.A.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Desde hoje



Desde hoje que fiquei numa espera insana cravada numa fonte impensada, posto ao desinteresse das horas como um sentinela do vazio, a achar-me noutro lugar e não poder voltar, a olhar-me noutro eixo sem nexo, de queixo perplexo entre mãos desencontradas.

Desde hoje que fiquei longe no silêncio de uma entrada gratuita, e que sempre soube interdita a quem espera outra vida como uma viagem que não é coisa séria quando a luz não se altera.

Desde hoje que recordo momentos em que não vivo, figuras de quem se interrompeu a voz e com ela intenções perdidas numa galeria morta ao adejar da luz, um desfile lento e quebrado a carregar as últimas forças.

Desde hoje que o passado se dispõe ao acaso sem interesse ou vontade, contra um fundo escurecido de lágrimas e sorrisos e enorme lassidão, um lugar deixado vazio de onde fujo num amplo paradoxo de marcas sumidas.

Desde hoje que a poeira se ergue no olhar cerrado em volta de uma pedra, o coração estancado numa ausência ignorada, o fantasma das horas no desenlace do tempo, a simples razão porque existo entre um passado suposto e um homem visto.

P.A.

domingo, 2 de outubro de 2011

Crescer



Há lugares que se intrometem para sempre na nossa história, entre ideias e desígnios, como que a retomar uma sequência que, subtilmente, vai explicando a origem das coisas. Há lugares de infância que se estendem sem fronteiras, inconstantes e atrevidos, a lembrar florestas e pinhais percorridos à revelia do tempo, mas assentes num antes, num durante e num depois, necessários à formação do ser. Há lugares que perduram mesmo quando já foram ocupados pelo frenesim e esgotamento progressivo da modernidade. Perduram como uma amostra por decifrar num tempo agora comprimido por tudo em simultâneo. Aquelas árvores ficaram e as que não ficaram criaram raízes mentais para além da existência física, que foram crescendo e amadurecendo naturalmente pela necessidade de uma ordem cronológica. Do terraço de casa sinto que deve haver tempo para nascer, crescer, viver, guerrear, amar e morrer. E que a ausência de uma sequência funcional, mesmo que flexível, remete-nos para a ilusão de que a vida é uma suspensão eterna ancorada num presente frenético e alienado da história. Das árvores construímos fortes e castelos e lembro-me que havia uma especial a que chamávamos o avião, um pinheiro bravo, esguio, de onde lançávamos pinhas como bombas sem retorno. O Filipe era o dono do machado e convinha tê-lo como amigo. Mais velho, alto e robusto, tão depressa amanhava um molho de canas e troncos como tudo destruía sem prévio aviso, entre amuos e rancores imberbes. Os pais não interferiam a não ser no azar de escoriações e curativos que faziam parte do corpo a irromper pelas sendas do poder. Do terraço da casa identifico as grandes incursões pelo mato à procura do inimigo que, pacientemente, era preciso encontrar, iludir, de quem se impunha a retirada para depois voltarmos mais apetrechados. Do terraço da casa vivo com dor uma história incontornável num tempo preciso e concreto. A dor afinal advém de hérnias discais e artroses que me atrofiam o corpo e a mente em espasmos ofuscantes e tempestivos, mas que não deixam de ser marcas de uma tal sequência vivida.

P.A.