sexta-feira, 18 de maio de 2012

Pausa






Teu, só teu, o mapa do corpo, centrado em ti, no presente, presente branco filtrado pela respiração pausada, virada para dentro. O resto afasta-nos do interior, a vida efervescente assemelha-se a uma terra de ninguém que neutraliza o regresso constante ao pulsar único de nós. Pára, restabelece o contacto contigo, a solidão reflexiva é o alimento para harmonizar as funções internas do corpo, é a pausa inerte entre inspiração e expiração, auscultação das sendas do corpo tornada consciente. Teu, só teu, o mapa do corpo, retomar o fluxo energético como um grande sentimento de compaixão que se apropria suavemente das coisas. Já não é o silêncio, é uma potencia existencial que valida o caos organizado, sustentável leveza do ser expiado na pele como um pré-aviso vital, anúncio que salva o erro desgovernado da vida, e nos devolve à essência de se estar a viver em simultâneo com a natureza dos sentidos. Uma serra e um lago a nascerem na base do olhar, o céu a esvair-se no silêncio audível, a terra áspera a moer-se no paladar, o ar a elevar-se na gratidão do tacto, o resto de tudo a presentear-se pelo recato do cheiro, só teu, contigo, comigo.


P.A.

terça-feira, 1 de maio de 2012

"Cidade dos mortos"





Vivem cerca de um milhão de pessoas no cemitério do Cairo. A procura de melhores condições de vida na cidade empurrou-as para uma espécie de condomínio privado, como alternativa ao caos e à falta de espaço. Ali vivem numa comunhão terrena, vivos e mortos, onde os mortos adquirem vida e os vivos planeiam e integram a morte, serenamente, sem angústias, num plano único que é aquele que foi concebido pelo Deus misericordioso. A necrópole filmada por Sérgio Tréfaut, mostra-nos a coexistência das duas dimensões humanas, sem medos e atropelos, numa organização que se encerra a si própria como uma necessidade inquestionável. A actividade das escolas, oficinas e padarias do cemitério, desenrola-se numa linha atemporal, plena de significado, perante um fim presente e assumidamente prolongado. Os vivos cuidam dos mortos, protegem as suas casas tumulares, os mortos cuidam dos vivos, concedendo-lhes uma morada eterna.


P.A.