domingo, 30 de novembro de 2014

O que importa...





Importa respirar lenta e profundamente,
Observar da janela qualquer coisa vã
Ou reparar em pormenores simplesmente,
Sorrir e calçar os sapatos pela manhã.
Sentir a beleza distraída
Que se reparte pela paisagem,
Entre a luz solta e reflectida
Nos teus cabelos de passagem.
Importa falar com um amigo
Sobre qualquer assunto banal,
Depois partilhar contigo
Esta conversa sem manual.
Importa acariciar o cão malhado
Mesmo aqui sentado ao meu lado,
Passear, ler, escrever o que se gosta
Sobre esta pequena amostra.
Importa não esquecer o mar
Tantas vezes alterado e cinzento,
O começo onde temos que voltar
Sempre que surge este sentimento
De tudo estar quase a acabar.
Importa olhar o que me rodeia,
Comer algo que dê prazer e
Beber o vinho da última ceia,
Fechar os olhos e escolher
Um desejo que se perca no escuro,
Entregando a sorte ao futuro
Como tudo o que se leva para sempre
Ao bater a porta abaixo do chão,
Porque o que realmente importa
É amar a vida sem razão.


P.A.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Porque é Domingo





Lembro-me dos Domingos nas arribas,
Pescadores quietos contra a névoa de espuma,
Aves a penderem de muralhas antigas,
O mar de sabores, a serra e a bruma.
Os velhos a darem longos passeios sozinhos
Antes de desaparecerem pela boca dos vizinhos,
Que contam a morte à esquina em tom de sina.
Os pais ainda vivos a aconselharem prudência,
Aos Domingos, todos juntos, a lembrar defuntos
Da morada ao lado, que deixaram a vida na condição
Do bem e do mal, que é a nossa causa final.
Eu a lembrar-lhes que a guerra é eterna
E a morte injusta, que a casa é o nosso umbigo
E que tudo o que tenho trago comigo.
Eu a lembrar-lhes todos aqueles
A quem o ódio e as balas atiraram
Para valas comuns, sem idade e memória,
Que só o sangue dos Balcãs ficará na história,
Porque é Domingo e estamos na Praia das Maçãs.


P.A.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Em tom menor





Em tom menor subsiste a moléstia.
O sono ataca. A moleza instala-se.
A indolência eterniza-se.
O cansaço, o tédio, a preguiça,
O langor do mundo, já sem dor,
No canto da sala, sem fala, pálido,
Seminu, fastidioso, por vezes rancoroso.
O peso do corpo contra o chão, indefeso,
Reduzido à palma da mão,
Preso ao torpor da alma,
A abater-se para o interior,
Paciente obtuso, lugar confuso,
Voz infundada, obra inacabada,
Desgosto profundo, amor rotundo,
Paz obscura, tudo para o fundo.



P.A.