sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Eternidade






Vamos desgovernar-nos pelos corpos bêbados,
Amarmo-nos no tumulto da idade e fundirmo-nos
Como lobos feridos entre folhas maduras,
Arrancar orgasmos pela boca como o sal de um Deus marítimo,
Invadirmo-nos de nós numa imagem de fogo excessiva
Até arranhar a respiração divina, inverter o amor comum,
Jorrando-o em relâmpagos cegos e milagrosos

Estremecer num ar quente a cruzar com furor
Os olhos raiados de desejo, pálpebras cerradas em redor da luz
Quebrada pelo chão a estender-se num sopro leve e remoto
De cada instante inseparável.
Deus há-de vir resgatar-nos por dentro,
Na intimidade inundada de sangue a fervilhar
Em toques ritmados, acolher-nos durante uma
Dança suprema e obstinada,
Alimentada por impulsos ferozes,
Contracções abruptas, labaredas ocultas
E faúlhas ávidas do excesso, até à fusão
Púrpura e vertiginosa do amor.
E deus há-de vir, deus há-de vir
Num exercício vibrante de carne e suspiros,
Irrompendo das têmporas dilatadas pela fervura do caos,
Para devolver a tranquilidade intocável do tempo inscrito.

E quem sabe onde estamos? Quem somos?
Quem imagina o dom da nossa respiração
Pelas linhas do corpo a unirem uma vontade
Indefesa e cega sobre o mundo?
E qual dos mundos pode corrigir ou apagar
O brilho contido dos corpos,
A pureza táctil que se desfaz em carícias repetidas,
O modo exacto de um abraço que não morre nunca,
O torpor inebriante de que não há mais nada
Para além deste reduto corpóreo gravado
Em códigos cutâneos, sendas de luz invisível,
Gestos divinos sacudidos e inomináveis?



P.A.



segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Ausência do mundo



Sei que vivi a ausência do mundo
Para chegar a mim,
Exigência de reconhecimento
Sobre uma forma desinteressada
Que me afastou sem fim,
Uma voz insana
Vinda do absurdo consciente,
Entre a presença mundana
E uma natureza evanescente.

Para que serves tu agora
Angustia espalhada pelo peito,
Depósito de pedras arrancadas
Da memória?
Que fazes tu agora sozinho
Neste caminho estreito,
Ponto de partida de uma vida
Irrisória?

Empresta-me um passado,
Outro enredo que não esta
História vulgar.
Recorda-me outro sentido,
Outro lugar, para que não desista
Tão cedo.

Diz-me que não sou eu assim
Um sujeito enviesado
Em confronto com o vazio
Da missão.
Diz-me que sou outro e não eu
Próprio um destroço desta
Alienação.
Assegura-me que o desespero
É o remédio provável
E a morte uma solução
Confortável

P.A.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Abismal





As veias dilaceradas, a boca seca e desapontada,
O silêncio das crateras oculares, o espelho do infinito
Sem retorno, ciente num corpo sem descanso e abalado
Pelas imprecisões da existência implacável.
As mãos entrelaçadas numa angustia incandescente,
Vibrante, apunhalada ao encontro do tempo imprudente,
Construído na ironia de contrários, a apelar à totalidade
Das coisas subjugadas ao equilíbrio da morte.
A cabeça vazia pensando espaços etéreos,
Ideias improváveis seladas em círculos obrigatórios,
Magma cerebral a escorrer pela opacidade da matéria
Até às entranhas efusivas da criação.
Sobeja a seiva de um poema sobre a morte,
Amostra de veias dilaceradas, o pulsar do fim,
Amalgama de partículas fieis a uma existência
Ancorada ao fluido de outra passagem temporal,
Ao clamor do universo e um pingo de sangue corrido.
Resta-me fumar o incontornável labirinto da vida,
Esfumar as indefinições da vida num cigarro isolado,
Regressar ao conforto suspenso de um acto sem fundo,
Virar-me em tragos ardentes e roçar a garganta
Até sentir o halo do corpo contra a suposição do tempo.
Não quero, vou aguentar, vou resistir, lutar sozinho
Com a condição única e falível que me obriga a interceptar
O mundo, expondo-me a uma viagem sem regresso na vertigem
Do fumo que se espalha pelo peito aberto das circunstâncias,
Que me levará à dissolução inevitável em partículas nascentes,
Que me levará àquilo que sou, àquilo que não verei


P.A.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O amor é...







O amor é o grande torpor da cidade,
Uma passagem trémula e fingida
Que chega a ser uma pequena verdade
Até se perder na paixão repetida.

O amor é uma fantasia atordoada,
Desconcertante, que falha no tempo
De Outono como a luz desviada,
E perde a viva cor pela voz do vento.

O amor é a contemplação da morte,
O impossível dos vivos e esperançados,
Um estado precário de vidro e corte
Que se esvai em corações abandonados.

O amor é a coroação dos infiéis e enganados,
O topázio que não se hesita em quebrar ao meio
Enquanto se vem a saber que já não são amados,
Porque de promessas têm eles o frigorífico cheio…



P.A.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Para além das palavras






Esgotei as palavras meramente
Ao ouvir-te o interior de excepção,
Ao escutar-te verdadeiramente
E embalar-me na profunda intenção
Do valor da tua voz singular,
Esvaziar-me da minha posição
E atento permanecer sem falar.

Antes do comum significado
De um discurso entendido,
Está a condição do ser dado
E o esforço de ser conhecido

Todas as palavras são residuais,
Imperfeições do eu tangível,
Código cru entre almas desiguais
Em que o teu ser é indizível.

A tua fala é o sentido original
No eixo da existência atendível,
Um poder criador não nominal
Em que o teu ser é indizível

Quando tu falas passas a existir
Na pura linguagem permanente
Como todas as formas se sentir
Que a tua voz torna presente.

Uma pausa no momento exacto,
Um silêncio para poder sentir-te,
E se te respondo de imediato
É porque não estou a ouvir-te…



P.A.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Fim...






Sou escravo do tempo finito,
Um bocejo de alma lacónico
Que se consome num só grito,
Zunido boémio, sentido Irónico.
O espírito lento não se eleva acima
Da mesquinhez do corpo mórbido,
Repete-se em torno da estúpida rima
Que alimenta este insecto sórdido.
Fechei-me num buraco bafiento
Como pedra dura de larvas coroada,
Contemplo por dentro o fim do tempo,
De olhar sereno e alma ventilada…


P.A.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Sonho inventado





“O sol é Deus”, a luz, um desígnio,
Tudo o que se consome sem escapatória
Como uma corda apertada e um náufrago
Esgotado contra um sonho inventado.
Deus é um código mutável e ondas arrasadas
De matéria instável, dias decifrados,
Construções que são desejos piramidais de criança,
Arrecadam o sentido fundado da esperança,
Comandada pelos infinitos grãos atirados
Na espessa seiva do início elementar do universo,
Um ponto, numa gota, uma gema concebida
Na convergência imponderável e volátil do éter.


É pelo silêncio da noite que a morte
Sossega na sua incompreensão,
Que o amor desperta na sua infusão
Contemplativa de quem descarta
Qualquer explicação absurda,
E não se conforma com a luz nocturna
Que choca contra a miséria do corpo
Despido na raça e fonte desregrada
De um peso sem freio e absorto.
Os olhos antevêem visões interiores
À velocidade desastrosa e casual
Da sensibilidade e entendimento originais,
Estagnam nas saliências obtusas do tempo,
Ficam incrédulos ao conhecerem a rudeza
Dos destroços da carne, abandonados
No braseiro caudaloso das águas infernais.


As construções interpelam a insignificância dos homens
Perdidos no caminho obscuro das cifras mundanas.
Edificam-se montanhas de coisas à medida
Do desespero invocado pela ilusão das sombras,
O medo une-se à existência pelo contraste das evidências,
Pela visão triste das ideias a afastarem-se para longe
De todos os esforços, na voracidade insana das ondas
Que levarão ao destino estimado do fim, sempre eterno,
Regulado pela cegueira fecunda, aos tropeções da fala,
Esgotamento da escrita, visão maldita.
É pelo silêncio da noite que se ouve o gemido
Por trás da muralha intransponível entre estar e acabar,
Entre a luz edificada e o crepúsculo do tempo ferido,
Afundado na angústia do espanto, sonho inventado
À medida de um náufrago, esboço de um condenado,
Perdido da impetuosidade devastada da idade do fim.


Preenche-se o quadro do tempo com cores imprevisíveis,
Abandonadas à sorte entre o segredo dos mortos
E aquilo que flúi no entendimento dos vivos.
Haverá alguém que componha os destroços
A um canto da memória, sem remorsos,
Explique o naufrágio do tempo a engolir vontades
E construções dispersas, almas submersas,
Energias acumuladas nas caves da terra,
Onde a morte renasce e a esta vida se encerra.
Haverá alguém que resvale na loucura da consciência,
Preso no atropelo dos factos por desvendar,
Acorde no precipício da luz antes da vida acabar
E pôr outro náufrago no seu lugar.


P.A.


terça-feira, 28 de abril de 2015

Aroma de uma ideia






És o aroma de uma ideia sonâmbula que percorre inteira
Todos os sentidos que se libertam no momento,
A essência carnosa que se assume numa única veia,
O bálsamo irrecusável coincidente num só tempo.
És a irreverência original em que se transforma a vontade
De absorver os encantos estirados no teu perfume exacto,
A natureza que se desvela pura e se fixa na singularidade
Inconstante do teu regaço, quase insultuoso e insensato,
Como a impossibilidade de conter a disciplina corporal,
Entrelaçada em ondas trémulas de prazer olfactivo,
Numa planície de fragrâncias nascidas do recato carnal,
A entranhar-se sussurrante pelo calor sensitivo.
És a cedência firme de um encontro perfumado
Suspenso nos meandros da utopia corpórea,
A arcádia boreal do imenso espírito derramado
Que se expande para sempre na minha memória…



P.A.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Não posso ver-te






Não posso ver-te porque sempre te perdi
Em todos os tempos e lugares dispersos,
Por entre a janela lúgubre em que senti
A memória única do teu corpo imerso,
Num mar calmo de incontestável perdição,
Onde te encontro em sonhos diversos
E intenso abandono sem explicação.
Posso sempre sentir-te porque reclamas
Uma beleza entranhada de mistério ardente,
A implosão dos sentidos, coração em chamas,
Todas as vontades infinitas de quem sente,
Todos os prazeres ligados de genuína paixão.
Não posso ver-te porque sempre te desconheço
Pela imperfeição cega de não saber encontrar-te,
Apenas posso sentir-te porque não te esqueço,
Apenas posso perder-te e amar-te…



P.A.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Mar cinzento






A minha natureza é mar cinzento,
Utopia de sonhos e cor turquesa,
Estado enfermo, descontentamento,
Contradição, permanente incerteza.


É um pulsar de motivos sem fim,
Um lugar de ideias que não existe
E que se revolta contra mim
Numa longa angústia que resiste.


É uma inconstância que sempre anoitece
Enquanto acompanha os reflexos de luz,
Uma felicidade que nunca acontece
Como o amor que não se introduz.


É uma pancada mortal e ofuscante
Que se sofre sem querer
Na simples razão de viver
Esta banal condição errante.


É uma melancolia enternecedora
E própria do fim dos tempos,
A morte cega e esmagadora
Que expele todos os sentimentos.


A minha natureza é mar cinzento
Voo nocturno, mergulho solitário,
Não é uma arte nem um dom,
É um trilho contado em outro tom,
Que resume o poema necessário.


 
P.A.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Quanto tempo falta?






Tempo, tens tempo? Quantas horas
Te faltam para o ponteiro chegar ao zero
E estancar todas as memórias que choras
Dos dias que sobram e já não espero?


Quanto tempo resta para respirares o mundo?
A espiral dos ventos, o fumo irreflectido
Que se atravessa na estrada sem fundo,
Instante petrificado de sentido
Em tudo o que não serás, plantado
Longe do possível, na sala sem enredo,
Ânsia de uma morte em segredo.


Um dia poderá já ser tarde amigo,
Quando a vida se fechar numa recriação
Obscura e eterna, a sós contigo,
Num corpo imobilizado de solidão
À esquina de uma avenida,
Onde passam pequenos sedimentos
De outra morte repetida.


Um dia serás uma folha em branco
Sempre por preencher, o vazio dos tempos,
Uma lápide gravada no manto
Investido de todos os esquecimentos,
O campo que guarda os traços do rosto
Na lógica invertida de sentimentos,
No fim da tua existência eleita,
Na morte serene e refeita.


P.A.

terça-feira, 3 de março de 2015

Haste de terra






Já escrevi que a vida são restos que comigo
Se encontram entre caminhos escarpados,
Uma haste de terra que cumpre o que lhe é pedido,
Senda de alma vazia em corpo sedimentado,
Lampejo entre braços à espera de se entregar
A outro mundo porque este deixou de o alimentar.

Já escrevi sobre o grande silêncio do perdão
Que é o magma dos viventes resumido no tempo,
Uma pequena memória colhida para a ocasião,
Sombra que convida a escutar o momento
Sem evitar a pancada ofuscante no coração
E as aves trémulas que giram o atordoamento.

Velhos despidos no tempo programado,
Velhos cansados do empecilho do corpo,
Um gesto lacónico, uma ode desfigurada,
O meu espanto de me saber já morto
Entre vidas aligeiradas em tons de despedida,
Pontos de interrogação curvados no nada,
Almas sem ordem de chegada ou partida.

Alguém se agarrou a uma presença
Com sorriso poupado e olhar profundo.
Olho-o para dentro, para dentro de mim,
O exterior é um ornamento vagabundo,
Emaranhado de frases, silhueta do fim,
Farpas antigas que deixaram de embaraçar,
Olho-o para dentro, olho-me a mim,
Espelho de uma morte por decifrar.

O seu interior como que para mim uma obra sapiente
A acenar-me tranquilamente do outro lado da margem,
A minha figura como que para ele uma pálida imagem
Por encaixar, triste quimera esquecida e incipiente.
Ali ficámos alheados no mesmo lado do tempo,
Uma máquina cansada na paciência do mundo,
Uma peça solta que caiu do meu ser moribundo.



P.A.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

"Teoria de tudo"






Tudo está em tudo, a matéria
Desmonta-se em fragmentos de luz
Infinitos, o espírito carrega-se de carne
E ossos e segue todos os caminhos.
Volta-se o vento, as árvores são musas
Em poses indiscretas plantadas no sentido
Inverso à tempestade cósmica.
Entre o céu e a terra há em cada
Coisa parte de outra coisa, o mínimo
De cada uma é o grau menor das outras,
É impossível que deixe de o ser porque
O máximo de tudo contém todos
Os mínimos em si mesmos, e cada coisa
É grande e pequena à medida dos mundos
Que partem dos sentidos, enfrentam
O caos e criam o sonho e a técnica.
Em cada coisa o tempo é pouco e bastante,
Não nasce nem morre, é um fogo contínuo
Pelos meandros dos homens, peões atirados
A um lugar de cinzas, utopia de vontades
Insurgidas em cifras de saber rotundo.
Em cada coisa há uma espiral
Progressiva e regressiva tomada
Por vulcões maiores que acabarão
Noutras causas sem nome, tempo
Que não nasce nem morre,
Onde se vive e não se foge…



P.A.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Incerteza da razão








A incerteza da razão
Sente-se por perto
Se guardas uma intenção
Sob o céu encoberto
E delicadeza dos ombros
Que se abate num suspiro
Entre mar de escombros
E olhar indeciso.
A lógica do amor
Perde-se no egoísmo
De um beijo incolor
E um simples silogismo
De braços caídos
A pouca distância
De sonhos vencidos
Sem grande importância.
Mas a clareza dos sentidos
Toca-se na luz ausente
Se soltas uma confissão
Como um astro transparente
E furor do teu rosto
Que se abre em sorrisos
Entre a brisa escalada de Agosto
E lábios de cobre concisos.
É assim que te sinto
Longe aqui ao meu lado
Neste estranho labirinto
De prazer desencontrado
Onde o amor é saudade
Quando foge e se admira,
Paixão da verdade
Razão da mentira.



P.A.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A cidade










Resguarda-te do instante num abraço,
A cidade cresce voraz sem princípio
Nem ermo, um amplo embaraço de tons
Que nos chegam sem prévio aviso,
Esgrimidos no vácuo súbito sem termo,
Impondo outro tempo entristecido.
Isola-te do contínuo temporal sem história
E significado, e olha a sequência das mãos
Sobre o cristal polido da pele, dividida em
Grãos que marcam o momento consumado.
Evade-te do arresto das horas engolidas
Sem sentimento, a cidade são avenidas
Frívolas, carros comprimidos, edifícios
Inconsoláveis, pessoas sós no grande
Pavimento abstracto de vidas esquecidas.
Sai da rede de fluxos infindáveis,
Espalhada passivamente no acervo de rostos
Programados, dormentes introspectivos,
Quase impiedosos, anjos inconsequentes
Que vagueiam por universos paralelos entre
A indiferença e outros ideais furtivos.
Regressa por momentos à fantasia
Dos espaços, à disposição dos afectos,
À timidez do encanto, a um tempo
Adquirido que se possa encontrar,
Porque este é o nosso lugar.




P.A.