terça-feira, 28 de abril de 2015

Aroma de uma ideia






És o aroma de uma ideia sonâmbula que percorre inteira
Todos os sentidos que se libertam no momento,
A essência carnosa que se assume numa única veia,
O bálsamo irrecusável coincidente num só tempo.
És a irreverência original em que se transforma a vontade
De absorver os encantos estirados no teu perfume exacto,
A natureza que se desvela pura e se fixa na singularidade
Inconstante do teu regaço, quase insultuoso e insensato,
Como a impossibilidade de conter a disciplina corporal,
Entrelaçada em ondas trémulas de prazer olfactivo,
Numa planície de fragrâncias nascidas do recato carnal,
A entranhar-se sussurrante pelo calor sensitivo.
És a cedência firme de um encontro perfumado
Suspenso nos meandros da utopia corpórea,
A arcádia boreal do imenso espírito derramado
Que se expande para sempre na minha memória…



P.A.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Não posso ver-te






Não posso ver-te porque sempre te perdi
Em todos os tempos e lugares dispersos,
Por entre a janela lúgubre em que senti
A memória única do teu corpo imerso,
Num mar calmo de incontestável perdição,
Onde te encontro em sonhos diversos
E intenso abandono sem explicação.
Posso sempre sentir-te porque reclamas
Uma beleza entranhada de mistério ardente,
A implosão dos sentidos, coração em chamas,
Todas as vontades infinitas de quem sente,
Todos os prazeres ligados de genuína paixão.
Não posso ver-te porque sempre te desconheço
Pela imperfeição cega de não saber encontrar-te,
Apenas posso sentir-te porque não te esqueço,
Apenas posso perder-te e amar-te…



P.A.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Mar cinzento






A minha natureza é mar cinzento,
Utopia de sonhos e cor turquesa,
Estado enfermo, descontentamento,
Contradição, permanente incerteza.


É um pulsar de motivos sem fim,
Um lugar de ideias que não existe
E que se revolta contra mim
Numa longa angústia que resiste.


É uma inconstância que sempre anoitece
Enquanto acompanha os reflexos de luz,
Uma felicidade que nunca acontece
Como o amor que não se introduz.


É uma pancada mortal e ofuscante
Que se sofre sem querer
Na simples razão de viver
Esta banal condição errante.


É uma melancolia enternecedora
E própria do fim dos tempos,
A morte cega e esmagadora
Que expele todos os sentimentos.


A minha natureza é mar cinzento
Voo nocturno, mergulho solitário,
Não é uma arte nem um dom,
É um trilho contado em outro tom,
Que resume o poema necessário.


 
P.A.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Quanto tempo falta?






Tempo, tens tempo? Quantas horas
Te faltam para o ponteiro chegar ao zero
E estancar todas as memórias que choras
Dos dias que sobram e já não espero?


Quanto tempo resta para respirares o mundo?
A espiral dos ventos, o fumo irreflectido
Que se atravessa na estrada sem fundo,
Instante petrificado de sentido
Em tudo o que não serás, plantado
Longe do possível, na sala sem enredo,
Ânsia de uma morte em segredo.


Um dia poderá já ser tarde amigo,
Quando a vida se fechar numa recriação
Obscura e eterna, a sós contigo,
Num corpo imobilizado de solidão
À esquina de uma avenida,
Onde passam pequenos sedimentos
De outra morte repetida.


Um dia serás uma folha em branco
Sempre por preencher, o vazio dos tempos,
Uma lápide gravada no manto
Investido de todos os esquecimentos,
O campo que guarda os traços do rosto
Na lógica invertida de sentimentos,
No fim da tua existência eleita,
Na morte serene e refeita.


P.A.