quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Presença (Parte II)


A presença é o concreto da existência, acolhimento das impressões gerais pela síntese vivida no corpo. Nada se pode dizer da existência sem uma presença corporizada e consciente, impulsionada por fluxos eléctricos segundo uma disponibilidade voluntária, actuando na razão directa entre o aqui e agora e a carga de possibilidades abrangentes. Estar presente é uma condição dada pela consciência, sendo esta o esforço de actualização e adequação do mundo pelas repartições da memória, que se requer incessante entre os picos de corrente, intencional ou não, sujeita a leis opacas e reservada à sua própria dinâmica necessária. A presença deduz-se pelo exercício consciente, capaz de se acercar do corpo por uma fissura iluminada da matéria, criando uma noção nuclear intransmissível, radicada na liberdade das suas próprias leis. É uma dependência da nossa liberdade, para onde convergem determinações possíveis, uma angústia da nossa posição intervalar entre o possível da existência e a cena verdadeira a que assistimos. A presença é o mais puro nível da existência, é quando dela damos conta por oposição ao outro, ao exterior, que percebemos a nossa condição única e livre, como um ponto vital no enredo universal, que embora por este determinada, assegura-nos o cumprimento da existência própria. É uma disponibilidade que paira pela evidência calma do ensejo, um regresso primário aos escombros do corpo esfriado e distendido na própria razão. Não se trata de qualquer noção egocêntrica reproduzida por sentimentos de exclusividade. Trata-se de beliscar a própria pele, tocar os músculos, ou acompanhar a acção ventiladora que mantém o corpo alinhado com a desordem infinita, entregue ao momento por um estilhaço consciente. Trata-se de um silêncio afeiçoado que sopra por um tempo único e pessoal que, pelo fuso consciente, começa e encerra a versão autêntica do corpo presente. Não se trata de um pensamento mas, como diria António Damásio, de um marcador somático, pelo qual, conscientemente, sentimos a sucessão de experiências que orientarão o processo de decisão. Acompanha-nos naturalmente em todas as vivências por um sentimento de fundo avaliador que, quando elevado à máxima finura, converge para o pulsar derradeiro da presença, pregada no caudal de acontecimentos, sempre a lembrar algo que insiste na sua existência singular e propositada, destacando a intimidade incomunicável da sua essência que se cumpre por uma origem quase inocente. E se esta noção radicar na condição de existirmos, então poderemos valorar o outro com maior respeito pela diferença, restaurando a confiança na capacidade de amar, tantas vezes remetida para atributos divinos, mas que, embora encerrada na limitação humana, ajudar-nos-á no cumprimento da obscura missão do ser.
P.A.