segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Natal está a chegar




Este Natal eu vou pedir
Algo muito diferente
Uma prenda p'ra sentir
Para dar a toda a gente

Não quero consolas
Nem meias nem pijamas
Também não quero bolas
Nem jogos de damas

Natal é alegria
Amizade e calor
Natal é família
Paz e amor

Não quero bonecas
Nem legos nem bicicletas
Tudo menos cuecas
Nem mesmo trotinetas

Dinheiro não quero
Nem vales de desconto
Este natal eu quero
É ser feliz e pronto!


Rodrigo e turma

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

De feição lunar



De feição estranha e lunar
É o rosto ao adejar da luz
Um sonho claro a declinar
Que outra realidade produz

Uma coisa que se sente
No intervalo de crenças
De face lunar pendente
Iluminada de parecenças

O rosto traz parecenças
Vazias e traços inefáveis
E outras razões extensas
Em intervalos admiráveis

A lua de feição estranha
Que olha pelos versos
Na luz de uma entranha
Em fios dispersos

Grande face iluminada
No nulo da janela lunar
Recriar a grande morada
Antes do acto de pensar

Pensar tão só de nostalgia
Que tudo chega a ser nada
Por uma luz que se antevia
Na perdição desta morada

 P.A.

domingo, 28 de novembro de 2010

Não esperes




Não esperes encontrar
Magras ilusões de cão
Quantas penas de falcão
Te hão-de sempre abalar

Não esperes que se rendam
sublimes manchas de infância
Correrás para que te prendam
Tais manchas de inconstância

Se por fim esperas perfilar
aspirações que há no ser
Procuras então reacender
O que não vais encontrar.

P.A.

sábado, 27 de novembro de 2010

A chuva a quem pertençe?




A chuva a quem pertençe?
No lugar da chuva ausente
Outra coisa há que vence
pela janela de quem sente

Não há árvores nem sombras
mas nada não pode haver
Mesmo espectros de ondas
ardem nos olhos de ser

O vento mais estranho
parece resumir a vida
Na origem e tamanho
Como a criança intuida

E se a vida é um estado precário
que insiste numa grande trama
esqueçamos esse preçário
E brindemos a quem nos chama

Tudo pertença a ninguém
Na consumação ancestral
E arrefecida que retém
Um espanto de cristal.


P.A.
 

sábado, 6 de novembro de 2010

Tudo em nós começa



Tudo em nós começa
momentos por descrever
que o espírito atravessa
para depois reter

Começo não revelado
motivo apreendido
pela lente captado
no momento renascido

lembrança dos dias vividos
a única que nos confessa
reflexos desconhecidos
tudo em nós começa


P.A.

sábado, 9 de outubro de 2010

Origem





Que espécie de pessoas procuram este mundo silencioso, belo, desconhecido, por vezes nefasto? Que motivações levam alguns a equiparem-se escrupulosamente, como se de um fato de gala se tratasse, a fim de mergulharem numa espécie de líquido amniótico que se adensa no corpo impávido e flutuante? Será isso mesmo? O encontro com a nossa origem profunda, a vida disposta num aquário gigante, pelo acaso disperso e a necessidade organizada? Não sei. Sei que se fica longe mas reconhecido por aquele silêncio onde não há vidas desencontradas nem caminhos perdidos. Penso que, no fundo, o verdadeiro encanto de mergulhar está no prazer desinteressado de não se cobrar nada a ninguém, a vida observa-se no seu encanto reservado, sóbrio, atento, como um berço materno cheio de sonhos que à superfície se confundem. Ainda haverá tesouros no fundo das águas mais profundas? Tinha um sonho de infância em que subia incansavelmente por uma grande colina atrás de alguém que me era próximo e fugia de mim sem explicação. Quando estava prestes a alcançar esse vulto a cena parava naquele momento e, colado ao chão, desfeito de ansiedade, eu assistia àquele alguém que me chamava sem nada dizer, a virar-se lentamente para mim e revelar-me o rosto do meu pai. Angústia, medo, sentimento de perda? Não sei, ficará para outra ocasião. O outro sonho de que falo não se sobe, desce-se. Descem-se degraus ondulantes que se estendem no nosso pensamento, lentos, pensados, movem-se sinuosamente sob o corpo de borracha que insiste em afundar-se. A cada degrau corresponde uma visão nova e mágica, um mundo que não é, mas também é o nosso, e que nos olha com serenidade e estranheza, a cada degrau corresponde uma cena suspensa, uma infância expectante e, já agora, quem em criança nunca teve curiosidade em espreitar?


P.A.

sábado, 18 de setembro de 2010

Fim de Férias


Acabaram as férias, espaço e tempo edílicos, produzidos artificialmente nas mentes em oposição à organização exaustiva do trabalho compulsivo. Todos já percebemos que as férias podem tornar-se uma dor de cabeça e uma fonte de stress, com repercussões no bem-estar das famílias, e porquê? Porque não há organização do tempo, porque se juntam todos os desocupados em torno do desejo de fuga. E todos querem fugir ao mesmo tempo, largar as amarras do tempo obrigatório e correr em todos os caminhos, estar em todos os lugares à mesma hora (por volta das sete da manhã), cansar-se como animais na livre arena dos dias pendentes. É difícil hoje escapar à tendência de aceleração do ritmo de retenção dos prazeres, da reorganização do tempo alternativo e programado segundo uma avidez atafulhada de encontros desencontrados com a rotina. Também me incluo no grupo daqueles que procuram programas, mais ou menos organizados, para estar em todos os lugares à mesma hora, sorver-lhes o âmago temporário e voltar confortado com restos colados à pele. Mas confesso, que também me incluo no grupo daqueles que encontram o máximo de prazer na leitura do jornal numa mesa de café, por tempo indeterminado, até que este pasme sobre a certeza das coisas. É quase sempre assim, conciliar estes dois mundos, sem uma acesa discussão familiar, é uma virtude respeitável em tempo de férias. Tudo desemboca na justificação comum de que são os efeitos da globalização, os quais, mesmo em tempo de férias, não deixam de promover a aceleração do ritmo vital, como um produto em movimento acabado para não deixar as mentes adormecerem na fixação de uma realidade adquirida. O processo de globalização significa uma mudança, como afirma Manuel Castells, "de um mundo de lugares para um mundo de fluxos". Face a esta nova reorganização do espaço e do tempo, os moldes de integração em tempo de férias, dantes idealizados, podem já não funcionar para grandes grupos. É preciso circular em grande velocidade, em todas as direcções, mesmo que virtualmente, sempre pela necessidade de que os diversos fluxos alimentarão novas necessidades, umas que se materializarão em prazeres concretos, outras que se assumirão, elas próprias, como uma realidade volátil, desmaterializada por feixes contínuos entre extremidades longínquas. Por agora, de regresso ao trabalho, quero apenas fixar-me numa paisagem concreta e palpável, que me assegura a existência e o prazer de estar a participar numa presença material, e não no vazio organizado virtualmente, aquele que percorre sem parar todos os lugares ao mesmo tempo.


P.A.




domingo, 13 de junho de 2010

Marcas revistas


Fui almoçar a casa dos meus pais, agora espaço fugidio de brves considerações e despedidas sobre a guerra dos dias, porque tudo se criou e encaixou pela medida aproximada do desejo. Houve tempo, contudo, para ver a varanda das traseiras ainda grande, virada para quintais esquadrinhados por muros e telhados de zinco. Sempre acreditei que o gato tinha fugido por aquele cenário triste, interrompendo de repente uma felicidade inesquecível, num acto de épica traição. Muito mais tarde, já sem surpresa ou desilusão que me consternassem, soube que o bicho tinha sido despachado sem dó, consta que não havia sofás ou cortinados que não tivessem as marcas do sacana do gato. Não comprendi, tratava-o bem, desde o dia em que o meu pai entrou em casa depois de mais um dia de escritório e largou na carpete aquele elemento familiar, assustado para nós, que depressa viria a estender a sua vitalidade pela relação bicho pessoa, pessoa bicho. Não compreendi, o animal era puro, a bola levava-o a saltar e a escorregar pelos mosaicos da cozinha, tomando poses que eu descobria como forças da natureza.

Depois veio o Liceu, a inconstância, o disparate, senhores do mundo, tempo criativo e disforme a arregaçar-se por um corpo empoleirado. Hoje achei-te desmedidamente bela...tão bela como um tesouro nas águas mais profundas, onde descemos por degraus cintilantes que se estendem no espírito. Alguem disse que não há homem sem passado. Mas alguém acrescentou que também não há homem preso ao passado. Assim seja, o que é certo é que a tua presença revitalizou-me a imagem de uma adolescente de beleza imparável. Aquela que vem do Liceu, lembras-te?, pelo caminho das arcadas, no eco das graçolas cuspidas por uma adolescência desmultiplicada em controversas questões, envoltas por reflexões imprudentes e imaturidades desesperantes, tão importantes para a causa comum, na razão única e justa capaz de mudar o mundo. Na janela a seguir lembro-me de uma velha atrás das cortinas, sobrevivente do sol, da chuva, de gerações. Lembro-me do seu rosto quieto atrasando os acontecimentos no limiar da discórdia. Tu já lá estavas, eu ia estando, os dois cheios de inocência e de sangue perpétuo a navegarmos pelo frenesim das coisas. Já lá estavamos numa vontade natural de amar, na espontaneidade de sermos a derradeira respiração atrás dos olhos risonhos sem paradeiro.

Agora não estás só. Também me sinto só mesmo quando não estou só. A realidade é o que nós fazemos dela. É uma construção interior, por vezes mal amanhada, interposta entre fluxos evolutivos, a essência pessoal e aquilo que nos é dado. É uma construção feita à nossa medida e conveniência, mas sempre adaptada a princípios universais que não escolhemos, inscritos na mais profunda consciência como instintos de sobrevivência e continuidade. Esses princípios podem ser a felicidade, o amor, a vida, a vontade ou o desejo, tão reais quanto inexplicáveis. São, por isso, inscrições da alma que aprofundamos com referência ao que nos é dado pelo mundo exterior. Não te sintas só, mesmo que te sintas só quero que saibas que a solidão é um sentimento provisório de auto-conhecimento que, como muitos outros sentimentos, ajuda-nos a conhecer a nossa essência por contraste com o seu oposto.

P.A.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Não sabia que eras tu, amor...


Hoje escrevo sobre ti, para ti, de ti, sobre a mulher como elemento natural e fonte de todos os prazeres, mas também de algumas desilusões, sejamos realistas, que pela necessidade de justificar todas as insuficiências do homem, por ele esperou decidida a faze-lo pensar na importância da mulher, o único elemento capaz de o fazer embarcar na mais profunda aventura da alma. O único elemento capaz de ser e não ser em simultâneo, não sendo defeito, mas riqueza. O único elemento capaz de felicidade extrema mas também de angustias desmedidas. O único elemento capaz de dar sentido ou de o tirar a tudo num ápice. Na verdade tenho-me sentido só, só mas acompanhado pelas insuficiências de um homem perante o majestoso palácio feminino, sempre desconhecido, sempre fantástico. Pergunto-te qual o sentido da cidade? Quando esmoreces na terra de ninguém. Qual o prazer da refeição? Quando no silêncio mecânico dos gestos te absorves de interrogações. Qual a novidade da viagem? Quando a incerteza te contamina o sonho de prudências retardadas. Qual a necessidade de cumprir deveres? Quando a razão não te reconhece nesta lógica de responsabilidade. Qual a força do amor? Quando por fim te afastas pela luz baça da manhã. Qual a importância da casa? Quando moramos separados por uma porta intrusa. Qual a razão das palavras? Quando o seu significado gasto e redundante te emudece a esperança. Qual a felicidade do encontro? Quando tão próximo te perdes sem explicações ou intimidades. Qual o sentido de tudo isto? Quando por fim, talvez nunca te tenha reconhecido em mim, nunca te tenha descoberto enquanto calma passeavas segura até ao fim do pontão. Amor, não sabia que merecias o mar como a certeza das formas mais puras encarnadas na beleza abandonada dos teus seios. Que merecias o ar como a explanação da corporeidade delirante e o sopro da alma reservada. Que merecias dádivas sucessivas de generosidade na ânsia de existires. Amor não sabia que eras tu…

Nunca percebi que crescíamos juntos e incompletos para no fim esperarmos alguns frutos, breves que fossem, mas que dariam para justificar esta empreitada desmedida e imprevisível. Nunca levei a sério a relação com os outros, descurei responsabilidades, afectos, sentimentos, tudo nunca passou de um acto informal, fora de horas, meio renitente por trás de um olhar distante e um corpo inquieto. Tudo nunca passou de uma fantasia, por vezes cruel e gratuita, a cobrar-me restos de felicidade enquanto desprovido me segurava a outro mundo, idealmente impossível. Tudo nunca passou de uma grande encenação a resistir-me à compreensão, a acenar-me da outra margem num sorriso por decifrar e uma quietude expectante. Não entendi as motivações que te acalentavam os dias repetidos, onde estavam? Escondeste-as? Eram só tuas, talvez, segredos não partilháveis à luz do dia, reservas de infância tão delicadas como o primeiro amor, expectativas e outros tantos ideias que tentavas encaixar a propósito de nós, no silêncio paciente e mordaz de quem prepara uma revolução. Não detectei qualquer movimentação suspeita, nem sequer imaginei que pudesse haver objectivo para tal. Não sabia que eras tu, amor. Terei sido eu a esconder-me? Por vezes a espreitar-te para observar os teus passos finitos, e aparecer depois no teu caminho já sem sentido de nos vermos no mesmo jogo que só agora entendi as regras. Não sei. És uma dádiva intemporal como a nossa lembrança risonha. Uma presença única, sedimentada numa grande causa oculta, real e intransmissível, que percorre uma essência de todo desconhecida, de que vamos dando conta pela intencionalidade dos gestos. Agora já não sei. És um pálido desejo, amorfo, desgraçado, uma natureza que subsiste no clamor dos espaços infinitos como um papel amarfanhado, um invólucro que se perde no vento sem tino ou emoção.

Na verdade nunca tenho muito tempo disponível e o que sobra deixa sempre a sensação que não consigo geri-lo da melhor maneira. Existe sempre tempo para ti, mesmo que não estejas presente, preenches-me toda a minha ausência, a minha angústia, o vazio do olhar que não acompanha o ritmo alucinante de outro tempo que escapa por entre a imposição estúpida dos deveres e as desatenções mergulhadas em caprichos pessoais. É o tempo dos que ficam, dos que partem, dos que adoecem, dos que morrem, tudo num só tempo que se apaga do quadro sem aviso prévio. Desculpa, hoje estou demasiadamente sensível, chego a pensar que a morte pode ser um facto tranquilo, consolador, uma fuga eterna para lá deste percurso penoso que não garante senão o avolumar lento de outro fim. Sabes que uma das razões porque gosto muito de ti é a lucidez e a profundidade com que sentes aquilo que digo. Chego a pensar que o tempo que me resta será dispendido a escrever para ti, é tudo que te posso dar, palavras filtradas do sangue por sentimentos infindáveis, frases interpostas em dois rostos que partilham a certeza de se entenderem no silêncio. Hoje sinto-me assim, um cão abandonado que estanca o focinho a cada passo para procurar algo que o conforte. Para mim os animais são todos cães, penso sempre em cães para me ajudar a compreender o que se passa no fundo de nós. “Cão como nós”, um livro muito giro de Manuel Alegre. “Amor cão”, belo filme. A balada da praia dos cães, não li, é pena, ou seja, é osso. Até me apetece chorar, será esta, porventura, a única vantagem que temos sobre os cães, verter lágrimas que desmascaram o nosso vazio. Não sabia que eras tu amor…


P.A.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Segurança Estrutural


Perante o terrorismo global, como uma ameaça em curso que contraria a prossecução dos fins do Estado, causadora de danos materiais e morais, é exigida uma resposta igualmente global que minimize os seus riscos. Neste âmbito, não se pode abordar o fenómeno do terrorismo global sem considerar a sua estreita relação com o crime organizado, com as organizações de carácter transnacional que, através do branqueamento de dinheiro e do tráfico ilegal de pessoas, drogas e armas, fazem negócios que superam muitas vezes o produto interno de alguns Países. Da convergência entre o terrorismo global e o crime organizado, ambos os sectores saem beneficiados. Enquanto os grupos terroristas têm acesso a dinheiro, pessoal mais qualificado, a novas tecnologias e armamento diversificado, o crime organizado beneficia do clima de instabilidade criado pelos terroristas para levar a cabo as suas acções ilegais. Estas acções são transversais a todos os domínios da vida social de um Estado, pelo que, o ideal securitário, longe de se constituir apenas como um conjunto de acções ofensivas capazes de dar resposta a um ataque, no sentido de o evitar, ou de actuarem após os factos consumados, deve abranger um conjunto de medidas preventivas que integrem as estruturas do Estado, desde o simples cidadão ao governante máximo. A segurança é efectivamente uma necessidade de qualquer Estado, sendo não apenas um dos seus elementos constituintes, mas também aquele, através do qual, o próprio Estado conserva a sua soberania e autonomia, logo, a sua continuidade. O conceito de segurança e defesa nacionais exige na actualidade, o estudo de uma vasta área de factores e actores intervenientes, quer a nível interno como externo, sendo esta própria divisão, desde há muito, alvo de revisão estratégica no sentido do seu esbatimento como resposta a um novo espaço de interacção.
A segurança estrutural pode ser definida como um conjunto de medidas adoptadas por um determinado Estado ou Nação, transversais a todos os domínios da vida social, e não só no domínio da defesa militar, com vista à protecção e manutenção dos fins para que foi criado, ou seja, para além da sua integridade, o exercício da Justiça e a promoção de bem estar face às novas ameaças. A este propósito, José Leandro, num artigo da revista Segurança e Defesa, refere, na sequência da ideia de que o Estado tradicional é esmagado e atravessado pelas forças transnacionais da economia, das finanças, da cultura, do desporto, do terror e do crime organizado, que: “ A segurança já não é um dado adquirido em nenhuma parte do globo e deve ser trabalhada e garantida por todos, todos os dias, a Defesa já não pode ser isolada, ela é apenas uma parte da grande segurança que a todos diz respeito…”[1]

A questão da segurança estrutural está, de resto, há muito consagrada e prevista, no caso de Portugal, no artigo 276 da Constituição da República Portuguesa, intitulado ( Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico ), quando no seu ponto 1. refere; “ A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses”. No número 3. do mesmo artigo, prossegue dizendo; “ Os cidadãos sujeitos por lei à prestação do serviço militar e que forem considerados inaptos para o serviço militar armado prestarão serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação”. Embora inserido no âmbito da defesa nacional, tais enunciados remetem para o dever dos cidadãos, fora daquele âmbito, cumprirem, de modo complementar, com a obrigação de prestarem tarefas defensivas na esfera cívica. Tal pressupõe que, embora não estando directamente envolvidos na defesa nacional, a própria condição de cidadãos exige o exercício de tal tarefa. Este pressuposto, por sua vez, faz derivar da obrigação de defendermos, e de modo complementar, a obrigação de zelarmos pela segurança na esfera cívica.

Historicamente a segurança nunca se limitou aos aspectos militares. As guerras Púnicas, bem como outras campanhas da Antiguidade, como por exemplo as guerras do Peloponeso, revelam um conjunto de acções estratégicas utilizadas, desde a diplomática, passando pela económica e psicológica, até à militar[2].
Estas estratégias foram levadas a efeito em diferentes áreas geográficas, podendo falar-se na existência de diferentes fronteiras onde as campanhas actuavam; fronteira política fronteira económica, fronteira psicológica e fronteira militar. A necessidade de segurança aparece estreitamente ligada à noção de fronteira, delimitando esta, o espaço primitivo ou original onde as sociedades se organizam para desenvolverem os seus objectivos comuns, isto é, o território. O território tem assim um significado fundamental na organização e desenvolvimento das sociedades politicamente organizadas. Apenas considerando a defesa do território no aspecto estritamente militar, a história revela-nos a importância que a mesma seja efectuada o mais longe possível dos locais onde se encontram as populações, protegendo-as dos malefícios da guerra. Hoje, esta realidade é visível nos mais diversos conflitos internacionais, bastando invocar as diversas missões militares destacadas para os cenários mais distantes, sabendo que a sua actuação tem frequentemente implícita, a necessidade de salvaguarda de outros interesses estratégicos, sejam políticos, económicos, comerciais ou de aliança diplomática. Como recorda o General Loureiro dos Santos “ Durante Longos séculos, a fronteira política de Portugal situava-se em Roma, tal como hoje se localiza em Bruxelas ou Washington, passando por Madrid. As fronteiras económicas percorriam o mundo inteiro, desde Madrid a Sevilha, passando por Antuérpia, e deslocando-se para as áreas mais remotas onde o nosso comércio se efectuava. Em termos psicológicos, também tivemos fronteiras em todos os espaços geográficos por onde Portugal se derramou, cuja ponta de lança era representada pela Igreja Católica, nomeadamente, pelos seus missionários”[3]

Se por um lado, o território delimitado pelas fronteiras originais se apresenta como o último reduto a ser defendido até às últimas consequências, certo é, que as raízes históricas da sua defesa num âmbito alargado de estratégias conjuntas para além fronteiras, atinge no quadro actual das relações internacionais e interdependência entre Estados, uma importância e complexidade inalienáveis.

Antes de explanarmos de modo mais concreto a noção de segurança estrutural, importa retomar o conceito de segurança colectiva que se formou antes e durante a guerra de 1914-18. Como reacção à aliança dos Estados que se unem contra um eventual agressor, a segurança colectiva procura um sistema global que funcione a favor de todos e que reaja contra qualquer agressão considerada injusta em face do direito internacional. A Sociedade das Nações foi anunciada num dos célebres 14 pontos do Presidente Wilson, e veio a ser a primeira grande expressão da segurança colectiva. É notório que a preocupação principal era delimitar o recurso à guerra por parte dos Estados, submetendo estes aos imperativos do direito internacional. Neste contexto, o artigo 11 do pacto da Sociedade das Nações, referia o seguinte; “ É expressamente declarado que toda a guerra ou ameaça de guerra, quer afecte ou não directamente um membro da Sociedade, interessa à sociedade no seu todo, e que esta deve tomar as medidas apropriadas para salvaguardar a paz das nações”. Acrescenta ainda o seguinte; “ Fica também estabelecido que qualquer membro da Sociedade tem o direito de chamar a atenção da Assembleia e do Conselho para qualquer facto susceptível de afectar as relações internacionais e que ameace perturbar a paz e o bom entendimento entre as nações de que a paz depende”. A consciência sobre a necessidade de regular a actuação dos Estados no domínio militar, foi sendo, de modo subsequente, alargada a outros domínios, através do surgimento de inúmeras organizações internacionais, tanto no âmbito do Comércio, como da Saúde, da Cultura ou das ciências.

Como já vimos, um dos fins essenciais do Estado é o de assegurar a defesa e segurança do País. O facto é, que a prossecução deste objectivo, no contexto actual de aceleração de novos poderes à escala nacional, mas sobretudo à escala internacional, tem permanecido num espaço dividido entre uma necessidade inalienável e uma tendência efectiva que se traduz, por um lado, na subordinação à superpotência militar dos EUA, e a pressão exercida pela opinião pública quanto à desconfiança de investimentos avultados na defesa num clima pós guerra fria.

Nesta perspectiva, e independentemente dos regimes mais ou menos autoritários que presidiam aos respectivos Estados, eram estes que protagonizavam as prioridades de actuação e consequente decisão no âmbito da política externa, neste caso, no campo militar. A crise do Estado soberano e subsequente emergência do poder da sociedade civil, veio reduzir em muito a margem de manobra do poder decisório do Estado, mais preocupado em conseguir consensos e cativar a opinião pública e o eleitorado, do que defender princípios e estratégias nacionais a longo prazo. Este facto, torna-se mais agudo quando nos confrontamos com um conjunto de novas ameaças transnacionais, com implicações directas para a segurança dos próprios Estados, obrigando estes a rever novas estratégias de defesa e segurança num novo contexto de insegurança mundial. Tomemos como exemplo o caso português pelo documento intitulado “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” - Resolução do Conselho de Ministros nº. 6/2003, no qual é definido um vasto conjunto de missões e capacidades das forças armadas, em articulação com as forças de segurança interna, cuja concretização é no mínimo questionável em relação ao esforço real de adequação e investimento que temos vindo a fazer nesta área.

Assim, o poder do Estado em matéria de segurança, deriva de um conjunto de circunstâncias e tendências, tanto actuais como num passado recente, à escala nacional e internacional, tornando-o aparentemente num poder volátil e indefinido, funcionando muitas vezes por impulsos de carácter provisório e condicionado. A redefinição do objecto da defesa por parte dos Estados no período pós guerra-fria, a canalização de energias para outros sectores de investimento como a economia, tecnologias de informação, saúde e outros, a dependência militar em relação aos EUA, a crescente pressão e intervenção da opinião pública, mais ou menos qualificada, alertando para o desgaste e malefícios da guerra, são alguns dos pontos que balizam a posição e poder do Estado. De modo subsequente, e digamos, em sentido inverso, a confrontação com um mundo cada vez mais incerto e perigoso. Conforme refere o Professor Adriano Moreira, “O quadro da pacificação mundial não é animador, acontecendo que se diminuíram estatisticamente os conflitos armados entre Estados, é todavia crescente o número de conflitos dentro dos Estados. Esta observação será talvez mais exacta se tivermos em conta que decorre da velha classificação de conflitos armados, hoje de duvidosa utilidade porque todos os conflitos internos conhecidos têm repercussões ou são efeito, ao menos parcial, de circunstâncias internacionais”.[4] A esta conjuntura, e para agravar o cenário, devem acrescentar-se as chamadas novas ameaças, das quais destacaria o terrorismo e criminalidade organizada transnacionais.

A fim de retomarmos o assunto da segurança estrutural, importa lembrar que um dos fins do estado é garantir o bem-estar das populações. Mas o bem-estar das populações depende, em larga medida, de um conjunto de factores societários que vão para além da esfera militar ou das forças de segurança interna, embora com elas se possam relacionar de modo mais ou menos directo. Seguindo a linha de pensamento que temos vindo a traçar, a emergência da vida cívica e privada, tanto através da participação cada vez mais activa da opinião pública, como da criação e desenvolvimento de empresas multinacionais e organizações não governamentais, assim como a crescente complexidade das relações internacionais, condicionam o exercício da estratégia governativa em termos de defesa e segurança, exigindo deste uma estratégia integral que contemple outros actores e campos de intervenção. Neste contexto, afigura-se ainda menos exacto separar segurança militar ( ameaças externas ) da segurança interna e da segurança ( protecção ) civil. Estas áreas sobrepõem-se e tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo integrado ao nível da estratégia total, desde o topo do Estado, prosseguindo para o planeamento e execução, ao nível da autarquia, da empresa, da escola, do hospital, das estradas, dos portos e aeroportos, complexos desportivos, até se chegar ao cidadão[5].

Considerando a defesa externa e segurança interna de um Estado como uma campo de actuação interligado e interdependente por parte das forças directamente responsáveis, quer militares, quer de segurança pública, existe, todo um potencial estratégico que é definido como “o conjunto das forças materiais e morais de qualquer natureza que um Estado ou coligação pode utilizar na sua acção estratégica”[6]
No que se refere à segurança e defesa de um Estado a Estratégia a adoptar deve ser então uma estratégia integrada, que contemple diversas estratégias especializadas, correspondendo a cada uma delas um domínio particular de actuação.

A defesa e segurança de uma Estado definem-se por uma acção global e permanente, não se restringindo a alturas de guerra ou conflito. A estratégia integrada deve contemplar um conjunto de outras estratégias, segundo o General José Lopes Alves, denominadas estratégias gerais, que por sua vez, ainda se podem dividir em estratégias particulares relativas a cada sector. [7] Dentro das estratégias gerais podemos incluir a estratégia económica, diplomática, militar e outras, onde poderemos acrescentar a estratégia psicológica e mediática (projecção da imagem do País ). Dentro da estratégia económica inclui-se a Estratégia de produção, financeira de comércio externo. No âmbito da estratégia diplomática, incluem-se as relações internacionais, alianças e outras. Na militar, a terrestre, naval e aeroespacial. A psicológica e mediática, pode englobar acções de propaganda, contra-propaganda, assim como tudo aquilo que possa veicular uma imagem positiva do País, e eventualmente denegrir a imagem de um Estado adversário. Estas acções podem passar por iniciativas diplomáticas até à exportação de filmes, revistas, e outras obras artísticas. A estratégia política será aquela que subjaz às restantes num processo decisório, enunciando quais as estratégias mais adequadas para cada momento.


P.A.



[1] Leandro, José Eduardo Garcia, “ O Estado, o cidadão e a segurança. Novas soluções para um novo paradigma”, Ver. Segurança e Defesa, Fev 2007, Pág 12
[2] Santos, Loureiro dos, “Segurança e Defesa na Viragem do Milénio” – Publicações Europa América, Set.2001, pág. 112
[3] Id. Pág. 113
[4] Moreira, Adriano, “Teoria das Relações Internacionais” – 5ª Edição, Amedina, Pág. 444
[5] Leandro, Garcia, “ O Estado, o cidadão e a segurança. Novas soluções para um novo paradigma” – revista Segurança e Defesa, Fev. 2007.
[6] Alves, José Lopes, “Estratégia – Panorama Geral da sua Teoria”, Dom Quixote, 1999, pág. 131.
[7] Ibid, pág. 118-119