sábado, 31 de janeiro de 2009

Coisas em que acredito


Acredito na alma leve como um sopro, vontade ampla fugidia que tem esta forma sem forma que a torna, causa que prevalece longe do simples existir cujo prazer o viver obedece na tranquilidade de sentir. Acredito no princípio escondido do movimento que acompanha esta verdade e às incertezas está atento, no destino aguardado das coisas pela evidência de estar, nas atenções que pela luz e o vento vêm na demora de amar. Acredito no vento que pára à beira da estrada de escuro traje e meros trevos soprando, sem estribos faz sua cavalgada pela estrada não receando. Acredito na importância de se estar perdido numa manhã de ninguém quando o sonho se tem retido, nos dias que se vivem sem viver senão pelo desejo de os entender, de se estar perdido numa manhã que vem sem que se tenha pedido. Acredito na fúria de Neptuno que rompe arestas provisórias de uma câmara lapidada até à primeira praia do farol prometido, com honras de fogo na terra recebido a cambalear pela embriaguez da memória, chamas mundanas por demais ilusórias perante destroços de uma câmara em ondas irrisórias. Acredito nos escombros da liberdade até à última pedra, na imposição assumida de vontade que nasce pela livre dependência. Acredito na noite e uma salva de mistérios, reza que a lua sustém a todos os impérios, orações que estalam pela viagem do silêncio e guardam instantes num só tiro, noite que medita pelo grande véu universal enquanto o espírito se acende e apaga num sentimento final. Acredito que me levem de bruços até sobre minha cruz para falarmos do que não fomos por amor a esta chegada, amortecendo a dor do afastamento antes da morte encetada, que me deixem sem ruído pelo andar lento que passe por trás esquecido do ser atento, atento ao mistério que não vejo de todas as forças escutar confinando-as de incerteza. Acredito outra vez na noite e nos declives do inesperado, na evidência do medo que antecipa as coisas em segredo, no andar que sempre mente ao medo evidente de estar. Acredito no céu longe mas vivo de quem dele é cativo, a quem pela fé pertence e as areias vence, céu vivo ainda mais vivo a quem dele é cativo e que por norma não mente senão quando por ele passa o homem cadente. Acredito nesse canto invisivelmente espalhado pelos momentos em que me levanto querendo estar deitado, que pairam pelo quarto prazeres calmos de ensejo que pelos sentidos reparto e no sossego desejo, na renovação dos ciclos da mente saturada onde irão passar instantes da vida não acordada, na indecisão de deitar-me ou continuar ao sabor do canto na longa pauta. Acredito nas nuvens como janelas carregadas de paisagens que fogem do que vemos, que correm paradas como náuseas regressadas de uma vida encaixotada, na tempestade onde se esconde uma ideia sem tino e rompe molhadas amarras do destino. Acredito que saem dois olhos num sono entre fumos perdido em noite calma, deixam o corpo e sem ossos se põem a brincar, que quando dormir é um peso preferível é sonhar, corpo subtil que espera por tão grande divertimento para com eles voltar, olhos ainda cegos de sonhos quentes que se juntam como estranhos entes, ao recebe-los o corpo exala fumos como ferro em brasa sobre madeira dos túmulos. Acredito que Lisboa dorme levemente num canto do cais onde recupera a mente de antigos sonhos irreais, lembra com as portas abertas ainda um sonho quente das descobertas, bom seria se os olhos abrisse e sorrisse às águas do Tejo. Acredito na lua de ceda que ilumina a vereda por um trago de água ardente, que destrói esquinas e mentes cheias duras rimas e outras teias. Acredito que ela é linda com odes a bailar no coração a pulsar pela tarde finda, linda no espírito nu com corpo de sereia pela noite bem vinda, bela pelas cores do andar e leveza de estar em divina tela, que é minha pelo vento que bate todo o momento como uma razão despida e por meu sangue caminha. Acredito que os olhos baços se enchem com coisas viris, de inocência e pura raiz, de disparates e conceitos sobre desmontar o espírito e despir os eleitos, no arqueiro travesso que lança flechas pelo ar sem preço, pinta as horas sem estimação, considera sem consideração os vermes da guerra e a morte sem fundo como a primeira resposta ao mundo. Acredito que baloiçam hastes súbitas e abanam minutos de vento num único tempo, sopram ideias loucas e vontades roucas, que em tudo uma hora se perde num esforço de viver um dia que não serve as coisas que sem ele teria. Acredito no descalabro do tempo que se embaralha ao acaso em fios vitais, no corpo entregue a um estilhaço sem ordem nem sabor, na revolta da terra e no calor que o ser encerra, nos que espalham fogo e invocam dias em vão como um jogo de luz e emoção. Acredito que tudo em nós começa como folhas brancas por escrever, começo não revelado sem sentido pela escrita contornado em dia renascido, na herança dos dias vividos, naquilo que nos confessa reflexos desconhecidos do que em nós começa. Acredito nos que vestem o desígnio louco num amontoado de gracejos, num mundo alado e absorto de infinitos festejos, nos que acarretam a fantasia manifesta e descem a vertente que resta, na realidade solta dos últimos intentos envolta em pálidos ligamentos. Acredito que o ódio rasteja em mentes sossegadas como a paz transviada e migalhas de guerra, que crescem genes em campo de batalha e tombam da muralha como crianças feridas. Acredito que há no extenso jardim simples matéria acordada pela luz falada entre não e sim, no ânimo que ocorre sem fim e contorna suposto jardim pelo prazer velado, que por fim ao jardim sem luz regresso mais perto dos sentidos que outra realidade produz. Acredito na matéria em vez de nada, no fuso inteligente entre galáxias para nossa tristeza ciente, cúpula branca iluminada que contempla por um só gesto um sonho que vem de fora, matéria que é a morada dos homens e tudo o que sinto porque o que é arde-me de ser e não é nada, por isso que sou e consinto. Acredito em tudo isto e na possibilidade de nada ser.

P.A.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Passos de Inverno


Rezam aves sobre crateras
E ondas do mar se levantam,
Repetem-se passos e quimeras
Que a lama e chuva arrancam

O céu farto súbito escurece
E trás a lama à nossa memória,
A ideia que a chuva padece
Sem corpo ou alma acessória.

O que trás e leva a enxurrada
Se os mesmos passos de levantam?
Rasga-se uma página borratada,
Outra que a lama e chuva arrancam

P.A.