sábado, 23 de maio de 2009

Presença (parte III)


Disse que a presença é o concreto da existência. Não um pensamento mas uma noção que se deduz do universal ao facto de se estar a ser, um instante que se retém e se configura num ponto do mapa geral da mente. Não um pensamento mas um sentimento que se percorre num só tiro, num só gesto, num só suspiro. Não um pensamento mas uma evidência que se assola na consciência e suspende o fluxo regular das coisas. Não um pensamento mas uma certeza que aparece a fitar interiormente os despojos de um corpo relembrado. O espanto de sentir o eu perante a carga de todas as possibilidades, plantado na exactidão de um corpo gratuito que vibra na diferença das formas como a árvore que carrega a existência em síncopes tensas e mudas. Presença, estar a ser, quando brindamos na única via ladeada de pequenos marcos, pequenas consolações de vinho derramado, impressões maciças do bem e do mal confundidas num rosto vidrado. Uma só via um só viver, é esta a verdade, efémera e arrepiante no olhar fixo, estranha certeza ser-se visto, ser eu e os outros que sempre somos nós nos passos que damos enquanto sós. É a via da presença que nos resta, pálida ou eloquente, como o vinho trespassado de sentimento onde existir é estar embriagado e os turvos enganos esquecimento. A verdade que não se pensa, existe sem poder desdizer um caminho por acontecer e o erro dispensa. Estar presente e reconhecido no silêncio da estrada que se agudiza no horizonte por fazer, não há vida desencontrada nem caminhos perdidos, é tudo o que vai sendo e engrandece o sabor do espírito em gume, sob a luz diurna do costume ou no negativo que construímos sobre uma causa nocturna. O corpo pendular que marca os medos em suspenso pelo eu que sempre mente ao medo evidente de estar, ao medo das coisas vidente.

P.A.