“A praia das maçãs de novo, a casa dos meus pais de novo. Todos os anos prometo a mim mesmo
- Foi o último e ignoro, sinceramente, o que me faz voltar. Saudades de quê?...
…O que me fará voltar? Julgo que volto pelos meus irmãos. Por um certo melro no pinhal. Pelo cheiro das ondas. Pela tal criatura de que sou filho ou neto e a quem, esse sim, devo o que sou. Para que o ar da praia lhe dê boas cores…
…Agora, que o meu pai já não está, vejo-o a ler sob uma copa. Vejo a minha mãe a ler. Oiço o melro. Ainda se tira a mesa de pingue-pongue da garagem. O Pedro acende um charuto. Os olhos azuis do Miguel, os mais azuis de todos nós. As nuvens de Sintra. Eu a pedalar na tomadia, É curioso: custa-me ir embora. …”
António Lobo Antunes
Digo que é o último ano,
Mas o cheiro do mar cheio de infinito,
O espectro das casas de uma beleza abandonada,
recordam-me prazeres prolongados e eu tenho que voltar…
Digo que já não gosto,
Mas a alegria outrora semeada
Sobre desencantos adiados,
As arribas projectadas numa visão indefinida de névoas,
Rasgam o impossível do amor e eu tenho que voltar…
Digo que será noutro local,
Mas o equivoco dos tons da terra,
O contraste de rostos e convicções,
A intenção das ondas criadas à margem de qualquer saber comum,
Assinalam-me o enclave dos dias e eu tenho que voltar…
Digo que vou partir,
Mas os muros e bancos de pedra construídos na memória sepulcral,
O horizonte que arrefece pelo entardecer do corpo alheio,
Recuperam-me da incerteza das marés
E eu tenho que ficar…
P.A.