Um realizador, Jia ZhangKE, dois filmes, “Sill Life" e “24 City”. Dois retratos sobre a China contemporânea e todo o seu peso colectivo. Uma sociedade que se basta a si própria como uma estrutura formada por pessoas dispostas funcionalmente no alinhamento útil do bem comum. A pessoa adquire sentido pleno enquanto elemento social, peça lubrificada da engrenagem conjunta onde se projectam a dignidade e valor existencial. Os sorrisos são tímidos e esporádicos, o riso é quase impensado e, quando ocorre, irrompe como um acto clandestino a denunciar sentimentos desprezíveis que o tempo disciplinado ensinou a controlar, a domesticar, a esquecer.
Um dos operários, sim, na China só existem operários, é uma mulher de idade indeterminada, que o tempo objectivo anulou os efeitos de circulação difusa dos sentimentos, assim como os anos de vida próprios de um ciclo individual. Conta-nos que ao embarcar na sua aldeia de origem, rumo à fábrica que iria acolhe-la numa dádiva laboral, perdeu o seu filho pequeno. Este não conseguiu embarcar porque deixou de ter contacto com a mãe entre a multidão de operários. Já no barco, a mãe percebeu que o filho havia ficado em terra, tentou alertar a tripulação para o facto, ao mesmo tempo que a distância do cais aumentava a angústia da separação. Da mãe sabemos que trabalhou para sempre na fábrica e que agora, ainda sem forças, nos relata o sofrimento programado de modo tão natural como o ritmo encenado de uma máquina. Do seu filho nada sabemos, imaginamo-lo numa linha de montagem, de rosto fechado como uma peça sobriamente deslocada no seu íntimo. A memória da separação foi adaptada pelo tempo linearmente preenchido na sua sucessão, ocupada utilmente até que o sentido da evocação se tornasse mesquinho e ridículo. Mãe e filho operaram num tempo necessário e colectivo, impondo a normalização no aceleramento de uma aprendizagem rápida e eficaz, aquela em que o significado individual fica submerso e regulado pelas águas do grande rio Yang-Tsé.
P.A.