Já escrevi que a vida são restos que comigo
Se encontram entre caminhos escarpados,
Uma haste de terra que cumpre o que lhe é pedido,
Senda de alma vazia em corpo sedimentado,
Lampejo entre braços à espera de se entregar
A outro mundo porque este deixou de o alimentar.
Já escrevi sobre o grande silêncio do perdão
Que é o magma dos viventes resumido no tempo,
Uma pequena memória colhida para a ocasião,
Sombra que convida a escutar o momento
Sem evitar a pancada ofuscante no coração
E as aves trémulas que giram o atordoamento.
Velhos despidos no tempo programado,
Velhos cansados do empecilho do corpo,
Um gesto lacónico, uma ode desfigurada,
O meu espanto de me saber já morto
Entre vidas aligeiradas em tons de despedida,
Pontos de interrogação curvados no nada,
Almas sem ordem de chegada ou partida.
Alguém se agarrou a uma presença
Com sorriso poupado e olhar profundo.
Olho-o para dentro, para dentro de mim,
O exterior é um ornamento vagabundo,
Emaranhado de frases, silhueta do fim,
Farpas antigas que deixaram de embaraçar,
Olho-o para dentro, olho-me a mim,
Espelho de uma morte por decifrar.
O seu interior como que para mim uma obra sapiente
A acenar-me tranquilamente do outro lado da margem,
A minha figura como que para ele uma pálida imagem
Por encaixar, triste quimera esquecida e incipiente.
Ali ficámos alheados no mesmo lado do tempo,
Uma máquina cansada na paciência do mundo,
Uma peça solta que caiu do meu ser moribundo.
P.A.