Vamos desgovernar-nos pelos corpos bêbados,
Amarmo-nos no tumulto da idade e fundirmo-nos
Como lobos feridos entre folhas maduras,
Arrancar orgasmos pela boca como o sal de um Deus marítimo,
Invadirmo-nos de nós numa imagem de fogo excessiva
Até arranhar a respiração divina, inverter o amor comum,
Jorrando-o em relâmpagos cegos e milagrosos
Estremecer num ar quente a cruzar com furor
Os olhos raiados de desejo, pálpebras cerradas em redor da luz
Quebrada pelo chão a estender-se num sopro leve e remoto
De cada instante inseparável.
Deus há-de vir resgatar-nos por dentro,
Na intimidade inundada de sangue a fervilhar
Em toques ritmados, acolher-nos durante uma
Dança suprema e obstinada,
Alimentada por impulsos ferozes,
Contracções abruptas, labaredas ocultas
E faúlhas ávidas do excesso, até à fusão
Púrpura e vertiginosa do amor.
E deus há-de vir, deus há-de vir
Num exercício vibrante de carne e suspiros,
Irrompendo das têmporas dilatadas pela fervura do caos,
Para devolver a tranquilidade intocável do tempo inscrito.
E quem sabe onde estamos? Quem somos?
Quem imagina o dom da nossa respiração
Pelas linhas do corpo a unirem uma vontade
Indefesa e cega sobre o mundo?
E qual dos mundos pode corrigir ou apagar
O brilho contido dos corpos,
A pureza táctil que se desfaz em carícias repetidas,
O modo exacto de um abraço que não morre nunca,
O torpor inebriante de que não há mais nada
Para além deste reduto corpóreo gravado
Em códigos cutâneos, sendas de luz invisível,
Gestos divinos sacudidos e inomináveis?
P.A.