A avenida sustém uma presença ausente,
Espólio de sombras e segredos frágeis,Resíduos depositados em patamares de luz
Deixados vazios pela noite que dormirá,
Sendo que a noite não dorme mas consente,
Não é vista mas é viva de estar e sentir,
Sem morada, no minuto exacto e consciente,
Para além de tudo aquilo para que se nasce,
No declive acidental esvaído lentamente.
Sou sempre eu neste espaço e uma cama ao alto,
Olhos pousados numa folha e um corpo sem saída
Senão a de cumprir uma essência irreversível
Pelo caminho do acaso e imponderável do sujeito.
A mesa junto à janela no outro canto da sala
Marca o momento livre e inalienável do tempo,
Que me acolhe demoradamente na síntese consumada
Desta presença e me deixa sem vontade de escrever.
Faltam-me razões de ser mais para além do aqui e agora
Pregado no corpo actual que arde interiormente
Ao longo das coisas que me rodeiam pacientemente.
Faltam-me motivos para escrever para além da noção
De ser eu uma carga material num instante particular,
Intervindo livremente por dentro do tempo indefinido.
O presente dilata-se em recordações e intenções vãs,
Arrasta-se num fantasma que aguarda enquanto caminha,
Toca todos os instantes com e sem propósito,
Numa interpelação leve da consciência sumária.
Faltam-me desejos de viver para além de sombras e segredos ,
De tudo o que sobeja dos dias e noites inúteis,
Por isso não quero ser nem escrever mais,
Quero repousar na sombra desinteressada
E viver uma vida indesejada…
P.A.