“A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença sempre tem de assumir. Com a morte a própria presença é impendente em seu poder ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais estar presente. Se, enquanto essa possibilidade, a presença é para si mesma, impendente, é porque depende plenamente de seu poder-ser mais próprio. Sendo impendente para si, nela se desfazem todas as remissões para outra presença.”
Martin Heidegger – “Ser e Tempo”
Levantei-me de súbito, estarrecido, aplacado pela morte que um dia interromperá para sempre o diálogo surdo e mudo com o mundo. O fim que justifica uma última visita aos pais e amigos que decorreu tantas vezes adiada de sentido. Seguiram-se alguns passos acidentados com as mãos na cabeça até que a porta do quarto embateu com estrondo no embargo frio da consciência. É o ser para a morte que de súbito desenterra algures momentos de prazer e felicidade actualizados num holograma de sentimentos inquietos, a intentar contra a continuidade do desejo como a lembrar o outro lado do possível, a estremecer a realidade adquirida pela conveniência humana. Voltei à cama, conformado no silêncio da evidência, iludido na tentativa de aceitá-la numa breve visita aos pais e amigos. O entardecer que um dia sepultará o peso morto que é o elo de ligação entre o mundo e o fundamento íntimo que se cumpre pela essência individual, que encerra em si própria um fim não anunciado, como condição necessária de maturação e restabelecimento. Último marco onde jazem estátuas minadas de consentimento incrustado, razão que desentranha todo o sentido das experiências agora desfasadas numa imagem amarga e obliterada. Um dia em que seremos chamados a aprofundar os encargos do nosso fundamento, ao cavar lento da essência que se esgotou pela insistência de viver, invertendo o corpo na terra como uma semente franzina que se fecha para nova etapa.
P.A.
Martin Heidegger – “Ser e Tempo”
Levantei-me de súbito, estarrecido, aplacado pela morte que um dia interromperá para sempre o diálogo surdo e mudo com o mundo. O fim que justifica uma última visita aos pais e amigos que decorreu tantas vezes adiada de sentido. Seguiram-se alguns passos acidentados com as mãos na cabeça até que a porta do quarto embateu com estrondo no embargo frio da consciência. É o ser para a morte que de súbito desenterra algures momentos de prazer e felicidade actualizados num holograma de sentimentos inquietos, a intentar contra a continuidade do desejo como a lembrar o outro lado do possível, a estremecer a realidade adquirida pela conveniência humana. Voltei à cama, conformado no silêncio da evidência, iludido na tentativa de aceitá-la numa breve visita aos pais e amigos. O entardecer que um dia sepultará o peso morto que é o elo de ligação entre o mundo e o fundamento íntimo que se cumpre pela essência individual, que encerra em si própria um fim não anunciado, como condição necessária de maturação e restabelecimento. Último marco onde jazem estátuas minadas de consentimento incrustado, razão que desentranha todo o sentido das experiências agora desfasadas numa imagem amarga e obliterada. Um dia em que seremos chamados a aprofundar os encargos do nosso fundamento, ao cavar lento da essência que se esgotou pela insistência de viver, invertendo o corpo na terra como uma semente franzina que se fecha para nova etapa.
P.A.