Amanhã existirei para as coisas numa espera prolongada. Penso em ti. Tudo irá acontecer numa lentidão de pormenores, a estação, os comboios, a demora amorfa retribuída na forma trémula das carruagens que surgem pelo aviso metálico. Estarei à tua espera, os cadernos serão os mesmos, os livros emprestados de um colega de curso que te conhece de soslaio quando por vezes acertamos ideias no corredor da Universidade. Centraremos em ambos a vida que começa na estação como todas as vidas. Escrevo porque penso em ti e escrevo para me lembrar dos comboios que surgirão pelos nervos da espera, as pessoas que sem rosto enchem a existência obrigatória, os deveres que nunca me afectam, e que talvez por isso me pesem mais do que se na verdade me comprometessem directamente. A espera indirecta das coisas resvala na mente até à ausência de estar, parte imprecisa como um cão pela noite para voltar à interrogação do corpo com olhar reflexivo que me faz pensar em ti no começo do dia. Quantas razões me separam de ti? Da viagem breve até Cruz da Pedra? Quantas razões me separam das primeiras afectações do dia após o sono rasgado no colchão? Dos primeiros clarões de luz furtiva que parecem atrair-me para fora da matéria? Não penses o que escrevo, amanhã será a estação e nada mais, estarás lá, serás o eixo real entre o resto suposto, a presença segura entre os apitos escoados dos comboios, os passos certos no patamar que finda, o conforto de estações percorridas entre o prazer e o possível. Estarás lá, uma dádiva intemporal como a nossa lembrança risonha, um presente cujo invólucro se rasga na alegria e inocência do instante assinalado, e eu amorfo subsistindo no clamor dos espaços infinitos como o papel de presente amarfanhado. Partirei depois descansado na esperança da tua eternidade, no prazer esgotado da tua grandeza aglutinante e simples.
P.A.
P.A.
2 comentários:
Gosto da estação e da certeza de tempo de vida ganho com a chegada e a partida dos comboios. Fica-me a sensação de algo etéreo mas ao mesmo tempo eterno e imtemporal, para além da vida e da morte, do hoje e do amanhã. Parece n haver diferença entre as partidas e as chegadas, exactamente pela sua eternidade. A foto transmite paz e o "comboio" desce tb tranquilo e sem pressas, parecendo caminhar tb ao encontro desse "para todo o sempre" e para alem de tudo e de todos. Gostei de tudo!
Também penso em ti...
Abraço apertadinho
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