A prevenção criminal pode definir-se como o conjunto de actividades e medidas adoptadas pelas forças e serviços de segurança, assim como por parte da sociedade em geral, com o objectivo de evitar a ocorrência de factos criminosos. As actividades das forças e serviços de segurança são desenvolvidas com recurso a medidas de polícia de natureza preventiva, como a vigilância e fiscalização de actividades, lugares e estabelecimentos que possam favorecer a prática de crimes, para além da vigilância policial de pessoas por período determinado de tempo. As actividades e medidas desenvolvidas por parte da sociedade em geral, implicam a actuação de determinados poderes públicos, com eventual recurso a entidades privadas, assim como todo o controlo informal actuante por parte dos cidadãos no decurso da vida em sociedade.
O poder policial, materializado nas diversas actividades administrativas com a finalidade de garantir a ordem e segurança públicas, diferencia-se dos restantes poderes ou serviços da Administração Pública, considerando que o seu objecto de intervenção é garantir a segurança interna dos estados, ao invés, por exemplo, das forças armadas, constituídas por militares que têm por missão assegurar a defesa nacional contra a agressão ou ameaça externas ( cfr. Artigos 272º e 273º da Constituição ).
As empresas e os trabalhadores de segurança privada diferenciam-se naturalmente dos corpos de polícia e dos agentes de autoridade, tratando-se de entidades privadas que empregam trabalhadores que, como quaisquer outros particulares, não dispõem de poderes de autoridade, embora desenvolvam uma actividade que visa defender pessoas e bens determinados, mediante um preço.
Polícia aparece também ligada a um tipo de poder específico, com vista a assegurar a ordem e tranquilidade públicas, assim como o normal exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos, poder esse, que em determinadas circunstâncias, compreende a coação directa, como o emprego da força física sobre os prevaricadores. Numa primeira abordagem, podemos referir-nos à prevenção criminal como o conjunto de medidas para evitar o crime. Quanto à repressão, se atendermos ao seu significado, o mesmo diz-nos o seguinte; acto ou efeito de reprimir; coibição; proibição; ou em termos psicanalíticos, rejeição consciente de uma solicitação psíquica, recalcamento (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora). O acto de reprimir, e utilizando a mesma fonte de significado, para além de suster a acção, coibir, conter, proibir, ocultar, contempla também o acto de violentar e castigar, pressupondo assim uma reacção efectiva que vai para além da simples proibição. Esta distinção permite-nos enquadrar a repressão, como acto de reprimir, numa acção preventiva mas também reactiva. Uma acção reactiva, como o emprego da força, implica uma actuação que surge já após a consumação de determinado crime, ao invés de, e numa fase anterior, conter os agentes criminosos da pratica do mesmo, isto é, uma atitude preventiva. Repressão criminal será então uma medida preventiva que visa conter ou proibir determinado comportamento criminoso. No entanto, o acto de reprimir parece pressupor uma reacção que advém directamente da prática do crime, que posteriormente deverá ser sancionado de acordo com a lei penal vigente. A polícia, é, por excelência, a entidade competente para prevenir a criminalidade e assegurar a ordem e tranquilidade públicas, sendo que, em determinadas circunstâncias, compreende o emprego da força, neste caso da repressão, entendida como reacção criminal, como garante último da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, entre os quais, o direito à segurança. Por aqui podemos também aferir que, prevenção criminal e repressão, constituem-se como modos de actuação com vista a um único objectivo, assegurar o normal exercício dos direitos fundamentais do cidadão, evitando o crime. Por este motivo, prevenção criminal e repressão não são opostas, poderão surgir em fases diferentes da prevenção, ou complementar-se como acções preventivas conjuntas. Resta-nos perguntar de que modo actuam a prevenção e a repressão? É certo que a polícia requerida no mundo actual não será tanto uma polícia de ordem ou uma polícia repressiva, mas uma polícia de segurança. Poder-se-á falar de uma nova configuração da intervenção policial, incidente no concreto das relações do indivíduo em sociedade, compatível com a necessidade de manutenção da ordem pública, cujo objecto, no entanto, remete-nos prioritariamente para a atenção dada à população concreta, constituída por indivíduos que coexistem por laços de união e de conflito. A noção de segurança está subjacente à noção de ordem, contudo, não se trata já de manter a ordem pela ordem como imperativo último, actuando repressivamente sobre os indivíduos, mas, integrá-la como um corpo de indivíduos que se relacionam em tensão num território concreto.
A prevenção criminal destina-se a evitar a ocorrência do crime e instalar um clima de segurança entre as populações. Envolve, para além das actividades desenvolvidas pela polícia, um conjunto de medidas que, mais ou menos articuladas com esta, são preconizadas pela sociedade em geral, desde o exercício dos poderes públicos locais, como Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, até às medidas de segurança adoptadas pelo cidadão comum para diminuir o risco de ocorrência de crime.
Quando falamos de crime contra a propriedade ou contra as pessoas, tipificados pelo Código penal como por exemplo o crime de furto, roubo, ou dano, temos de ter em conta que, para a sua ocorrência, devem convergir num dado momento e num dado local os seguintes elementos:
Um criminoso motivado, um alvo vulnerável, e a ausência de medidas de segurança. Segundo a teoria das actividades rotineiras ( Felson e Cohen ), as rotinas diárias dos indivíduos afectam a convergência destes três factores. O crime terá uma elevada probabilidade de acontecer se num determinado espaço e tempo se cruzarem um potencial criminoso, com um potencial alvo que está vulnerável, porque o “guardião” ou protecção adequada estão ausentes. A prevenção criminal actua sobretudo nos dois últimos elementos, ou seja, tanto na tentativa de tornar o alvo menos vulnerável, como na de aumentar as medidas de segurança em relação a determinado espaço, objecto ou situação. Estas por sua vez terão necessariamente efeitos na escolha racional que o potencial criminoso fará sobre os benefícios e riscos da prática do crime. Contudo, actuar directamente sobre os potenciais criminosos exigirá uma vigilância permanente, numa atitude preventiva de “tolerância Zero”, a qual pode tender para medidas de carácter repressivo. Aumentar significativamente o número de polícias é uma medida preventiva, eventualmente eficaz, não deixando a mesma de ser uma medida repressiva, coibindo e contendo determinados comportamentos. Algumas das medidas preventivas que têm por objectivo aumentar as condições de segurança em determinado espaço ou situação, reduzindo a oportunidade de crime, podem ser igualmente consideradas medidas repressivas. Quando se restringe o acesso das pessoas a determinado espaço, se obriga as mesmas a circularem em determinado sentido ou separadamente, ou a passarem por vários pontos de revista de sacos e outros objectos, estamos a falar de medidas de prevenção situacional, certamente necessárias e eficazes, mas que restringem obrigatoriamente certos direitos e liberdades dos cidadãos, coibindo e contendo potenciais comportamentos criminosos. A manipulação do alvo, com vista a dissuadir o potencial criminoso de actuar, pode implicar, quando de pessoas se trata, a modificação no “estilo de vida”, por exemplo, alterando o percurso entre casa e trabalho, não exibir determinados objectos, ou evitar determinados comportamentos. Falamos de medidas preventivas úteis e eficazes na prevenção do crime, mas não estaremos também a falar de medidas repressivas, que afectam e restringem direitos fundamentais dos cidadãos? Repressão surge vulgarmente conotada negativamente em termos sociais, muitas vezes associada a uma reacção policial indiscriminada e violenta sobre os indivíduos. Esta repressão também nos remete para a existência de um Estado de polícia, em que tudo e todos se submetem a um controlo opressivo e asfixiante. Esta repressão não deixa de actuar preventivamente, mas também ela não evitará totalmente a criminalidade, sempre reduz a liberdade das pessoas, e raramente as responsabiliza na relação com o outro. A prevenção criminal é multidisciplinar, actua na redução dos riscos e no aumento do esforço dos potenciais criminosos para agirem, e pode ser conjugada e complementada com medidas de carácter repressivo, porventura mais discricionárias, subtis e silenciosas. Neste contexto, considero oportuno mencionar o Prof. Diogo Freitas do Amaral, a propósito do terrorismo internacional, quando refere; “o problema essencial que o terrorismo internacional de grande envergadura põe ao Direito é o de encontrar um novo equilíbrio entre as necessidades da segurança nacional e as do respeito pelos direitos fundamentais” *
Entre a necessidade da prevenção criminal e os efeitos repressivos e consequente restrição de direitos que dela possam advir, será preciso encontrar um equilíbrio para que os cidadãos se sintam seguros, mas não excessivamente sacrificados na sua liberdade.
* Diogo Freitas do Amaral “Do 11 de Setembro à crise do Iraque”, 5ª Edição, Bertrand Editora, Lisboa, 2003, p. 53.