quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Fim do ano


Há muito que não escrevo, a vontade atrasa-se por entre contemplações inúteis, suspende-se internamente a marcar o tempo sem pressas, serena, por vezes imperturbável, sem palavras, acomodada na razão que exige a espera antes de actuar. A vontade também pode ser ilimitada na espera, deambular pela calma do corpo até ao fim do pontão, despejada de sentido, a passar em revista a parada de acontecimentos consumados, sem pedir justificação ou prestar contas a quem quer que seja, amorfa, de sobrolho descaído, trilhando os mesmos caminhos sem graça, a cumprir para sempre as marcas do destino. Não é um fim de ano sem vontade, é antes a vontade que o fim de ano assim seja, na preferência da compreensão das coisas que se sustentam a si próprias, dos outros que morrem pela distância do sentir, sem dor, sem pesar, pregados num céu caduco e vedado ao sentimento. É um ano que finda pela elipse de todas as coisas, supostas num rumo inquestionável, há muito pensado e planeado, para cumprir um fim necessário e adequado à nossa estada. Não escrevo, a vontade arrefece no conhecimento do mundo, dá voltas ao adro da igreja e recorda a existência tardia contra a pedra fria, calcada no tempo acertado do espírito, definida como o sentinela recortado e enviesado no muro conhecido. É uma vontade residual, suficiente apenas para acabar o ano e seguir as determinações de um grande plano autoritário, parando aqui e acolá para restabelecer o corpo disciplinado, verificar a distância percorrida e esperar por novas ordens que preencham as cavidades do entendimento. Não escrevo e, por largas horas, deixo de falar, reservo-me num silêncio obediente e atento perante a maquinação do mundo, engrenado no desfile escravizado de rostos uniformes e pálidos do dever. Por vezes encosto-me à ombreira da porta como um chinês condenado à entrada da loja, rodeado de plásticos e arames, de rosto programado e mãos esticadas de pato lacado, sem recurso a outra decisão. Acho mesmo que acabaremos este ano todos como chineses condenados em lojas de plásticos e arames, rodeados de brinquedos gastos e amontoados em prateleiras, à espera de pilhas para recomeçarmos a zumbir em círculos.

P.A.

Sem comentários: