“Pretende, o processo iniciático, inverter o processo natural que vai da vida para a morte, estabelecendo um processo cultural que vai da morte para a vida” Anes, José Manuel – “Os Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira” Ésquilo, 2ª Edição, Maio de 2007
No final de cada ano guardo, invariavelmente, imagens desgarradas de um tempo incompleto, caótico, sem ocupação útil, distraído a recolher do chão pedaços de vivências, alguns quase intactos, outros meio rombos, outros ainda que não valem o esforço, sendo melhor esquece-los a um canto da memória como uma pedra vã. Suspendo, infantilmente, o curso real dos acontecimentos e resguardo-me em brincadeiras como no começo do mundo. Afasto-me do grande pensamento mitigado no tempo fecundo, e esgueiro-me pelas entranhas audaciosas fora de horas, onde se reaprende o sabor da fuga e a curiosidade da vida. Destruo dogmas, convenções e outros manequins intelectuais e, vendado, embarco na festa dos enjeitados rumo ao turbilhão dos infernos. Desço ao centro da terra, isto é, ao âmago do ser, num ritual iniciático, obrigatório, mordaz, imprescindível ao crescimento e maturação do conhecimento. Aí, contido, aprofundo-me em figuras opacas e disformes, no magma visceral e imprudente, a rodear-me de uma predestinação abrasadora. Fixo-me na escuridão do abismo solene, cravado no assombro original das coisas, insistente, perseguido sem nexo pela espessa amálgama confidente do real oculto. Aí percebo a distância que separa o segredo dissecado sobre a causa das coisas e a ilusão de uma realidade simulada, aquela que se passeia vulgarmente à superfície, que são marcos fugazes da grande agitação subterrânea. No final de cada ano temos que fazer uma viagem ao centro da terra, descer às profundezas escuras dos elementos primordiais, patinhar nos escombros da memória, remexer a lama do tempo, arrastar o corpo pelas margens recolhidas da enchente, vociferar murmúrios intersticiais, arrancados do interior das células, casar com as bruxas frias e perdidas. Depois poderemos enfrentar com amor e emoção a luz do dia no conhecimento prévio das trevas, interpretá-la sem pudor ou receios, agudizá-la à medida exacta da sua dimensão, vive-la na lucidez perene dos contrastes naturais. Bom ano.
No final de cada ano guardo, invariavelmente, imagens desgarradas de um tempo incompleto, caótico, sem ocupação útil, distraído a recolher do chão pedaços de vivências, alguns quase intactos, outros meio rombos, outros ainda que não valem o esforço, sendo melhor esquece-los a um canto da memória como uma pedra vã. Suspendo, infantilmente, o curso real dos acontecimentos e resguardo-me em brincadeiras como no começo do mundo. Afasto-me do grande pensamento mitigado no tempo fecundo, e esgueiro-me pelas entranhas audaciosas fora de horas, onde se reaprende o sabor da fuga e a curiosidade da vida. Destruo dogmas, convenções e outros manequins intelectuais e, vendado, embarco na festa dos enjeitados rumo ao turbilhão dos infernos. Desço ao centro da terra, isto é, ao âmago do ser, num ritual iniciático, obrigatório, mordaz, imprescindível ao crescimento e maturação do conhecimento. Aí, contido, aprofundo-me em figuras opacas e disformes, no magma visceral e imprudente, a rodear-me de uma predestinação abrasadora. Fixo-me na escuridão do abismo solene, cravado no assombro original das coisas, insistente, perseguido sem nexo pela espessa amálgama confidente do real oculto. Aí percebo a distância que separa o segredo dissecado sobre a causa das coisas e a ilusão de uma realidade simulada, aquela que se passeia vulgarmente à superfície, que são marcos fugazes da grande agitação subterrânea. No final de cada ano temos que fazer uma viagem ao centro da terra, descer às profundezas escuras dos elementos primordiais, patinhar nos escombros da memória, remexer a lama do tempo, arrastar o corpo pelas margens recolhidas da enchente, vociferar murmúrios intersticiais, arrancados do interior das células, casar com as bruxas frias e perdidas. Depois poderemos enfrentar com amor e emoção a luz do dia no conhecimento prévio das trevas, interpretá-la sem pudor ou receios, agudizá-la à medida exacta da sua dimensão, vive-la na lucidez perene dos contrastes naturais. Bom ano.
P.A.
3 comentários:
já li, genial e profundo, como já nos tens vindo a habituar. Tenho que ler muitas mais vezes, porque os teus textos requerem muita leitura e reflexão, para que os comentários possam estar, levemente à altura do texto.
Preciso de mais algum tempo, filósofo!
1 excelente 2010 para ti
1 beijinho
já li, como te disse e já voltei a ler dezenas de vezes e, de cada vez que leio, envolvo-me um pouco mais com as palavras, frases e com as ideias carregadas de um sentido profundo, vísceral! A cada nova leitura apreendo um pouco mais, desta "montanha mágica", nesta viagem ao interior de nós próprios onde mergulhamos para "destruir dogmas, convenções e outros manequins intelectuais". És profundo e assertivo e revelas emoções primordiais.
Percebo a tua viagem como se fosse a minha própria viagem, percebo o teu recolhimento e a suspensão do curso real dos acontecimentos, como único recurso para descer ao "fundo da terra" ou ao âmago do teu ser. Os teus olhos vêem juntamente com os teus sentidos, ambos destituídos de preconceitos incapacitadores. Os teus olhos brilham numa chama constante, ora fixos na escuridão do abismo ,ora despertos para a emoção da luz do dia, preparados para amar audaciosamente.
1 beijinho
Paulo
Excelente texto! Leva-nos inexoravelmente a uma longa viagem interior, sem tempo para futilidades e desperdícios.
Excelente reflexão sobre a vida , a morte e o entretanto...
Beijinho
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