O ano terminou nostálgico, confundível com outros anos que terminaram nostálgicos, numa linha temporal a segurar efemérides necessárias à continuidade interdependente dos seres. O ano terminou, entrevisto, inconclusivo, suspenso pela noção pessoal e calendarizada de um tempo sempre remediado nas circunstâncias espaciais. O ano terminou, impensado, esboçado num canto da folha, reservado a uma explicação posterior e mais pormenorizada, desta vez intemporal, modo pelo qual o começo e o fim se explicam. O ano terminou, doze meses mais que contribuíram para me fixar à terra, a marcha do tempo reforça-me as raízes terrenas, torna-me mais lento mas atento ao entrelaçar da linha, mais disponível para a relatividade dos factos, mais seguro da incerteza das coisas. O ano terminou com a explicação de que os anos não existem, com a evidência de que o tempo é uma materialização inacabada de um espaço particular, um facto de repetição instruído para seguir o sentido próprio de cada vontade, um desfile de partículas que se curvam no âmago de cada ser até que este se encontre num ponto único e desconhecido do espaço. O ano terminou, recolhido, impávido mas fracturante como uma pedra profunda, onde o silêncio se abate sem preconceito, onde os cães deixam de nos ladrar e o olhar dos outros desfoca-se da nossa presença para retomar tarefas pessoais e intermináveis.
P.A.