sábado, 31 de dezembro de 2011

O ano terminou




O ano terminou nostálgico, confundível com outros anos que terminaram nostálgicos, numa linha temporal a segurar efemérides necessárias à continuidade interdependente dos seres. O ano terminou, entrevisto, inconclusivo, suspenso pela noção pessoal e calendarizada de um tempo sempre remediado nas circunstâncias espaciais. O ano terminou, impensado, esboçado num canto da folha, reservado a uma explicação posterior e mais pormenorizada, desta vez intemporal, modo pelo qual o começo e o fim se explicam. O ano terminou, doze meses mais que contribuíram para me fixar à terra, a marcha do tempo reforça-me as raízes terrenas, torna-me mais lento mas atento ao entrelaçar da linha, mais disponível para a relatividade dos factos, mais seguro da incerteza das coisas. O ano terminou com a explicação de que os anos não existem, com a evidência de que o tempo é uma materialização inacabada de um espaço particular, um facto de repetição instruído para seguir o sentido próprio de cada vontade, um desfile de partículas que se curvam no âmago de cada ser até que este se encontre num ponto único e desconhecido do espaço. O ano terminou, recolhido, impávido mas fracturante como uma pedra profunda, onde o silêncio se abate sem preconceito, onde os cães deixam de nos ladrar e o olhar dos outros desfoca-se da nossa presença para retomar tarefas pessoais e intermináveis.

P.A.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Assim seria



Seria ousado escrever assim sobre ti
Com palavras gastas como moeda de troca
Que compra vontades, alegrias, desgostos e ilusões.
Seria injusto descrever o nosso amor cúmplice que evitasse
Nuvens de sobressalto que o tempo excede.
Seria absurdo amar-te num poema estampado
Na razão clara e precipitada que fugisse do silêncio
Aprazível onde o nosso desejo se avulta.
Seria patético oferecer-te flores de amor ornamentado
Sem colher outros instantes mantidos na feição da memória.
Reservo por isso mudos os sentimentos de súbita traição,
Porque o nosso amor é feito de longos passos e verdade imensa.

Tudo seria inútil para além da presença do teu corpo
Como uma dança doce e serena que cela uma aliança.
Tudo seria insuficiente se não contivesse a verdade dos teus poros
Por onde o mundo sai numa espiral de ventos.
Tudo seria enjeitado sem a magia pura que se reparte
Pelo serpenteado das tuas mãos.
Tudo seria inexistente se não fosse o privilégio
Da tua beleza impensada, da aureola ígnea dos teus seios,
Do flamejar interior sem retrocesso que numa só vez
Abala de prazer a fusão do espírito. Tudo seria não sem o amor superior
De que serás comigo eterna.


P.A.