sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sinto que devo






Sinto que devo renunciar a todas as coisas adquiridas, como ilusões que se manipulam na sombra do desejo, impacientes, imperfeitas, improváveis dentro de uma razão finita, como uma caminhada difícil, arrancada da ignorância de ser. Devo esquecer o grande desfiladeiro de sofrimento que se esgota a cada passo em que não se existe, em que apenas se desloca lentamente uma ideia errada e enfadonha do mundo, que nunca é o nosso, que nunca se conjuga com a pele e com os olhos da terra, como a natureza irradiada das entranhas da compreensão, até ao limite do vazio plantado na morte. Sinto que o meu lugar ainda virá por outro tempo sem memória, que é uma palavra apagada do texto para se dizer e propagar na distância e atracção dos corpos, um contínuo sussurro entre a melodia do desgosto e arrepios de pequenez, que se abala na génese circundante a propósito de sentir, a convicção que o choro do nascimento é o grito codificado do testemunho eterno, lançado por etapas obscuras no infinito ventre do universo, e que a tudo devo renunciar para a vida se consumar, a sós com o silêncio de um pedaço de seiva bruta a escoar-se no princípio sem causa, até que a morte se esclareça na aliança com Deus.

P.A.

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