Consta que os Moscovitas desde o início se mostraram resistentes à ideia de viajarem debaixo do chão. Talvez por isso, para minimizar essa estranheza, tenham adornado os túneis subterrâneos como os espaços à superfície.
Todos, todos sempre a crescer, Uns mais que outros certamente, Acumular infinitamente até morrer, Esquecendo o que é ser e viver. Economia do dinheiro, Percentagens, competição, Dominar o mundo inteiro Até rebentar o coração… Torres vertiginosos de poder E especulação, a vida em contramarcha Sem recordação, numa corrida de ratos De Vestidos e fatos, Sempre rentável Deveras alienável, Sempre em frente, em vão, Coração indiferente a crescer Infinitamente até deixar De bater… P.A.
Que me ensinaste a construir, Peça a peça, sobre água, entre montes, Até o encanto deixar de fluir. Ainda me lembro, mãe, do teu grito A perfurar a raiz do coração, A romper um corpo interdito, A manter-me quieto, a dizer não.
Ainda me lembro, mãe, de alguém A afastar-se numa névoa indolente, E eu estancado sem saber, de repente, A ficar sem esperança de ninguém.
Ainda me lembro, pai, da tua visão Sobrevivente no silêncio da casa, Da ausência de uma explicação Para o impiedoso corte de uma asa Ainda me lembro, pai, de alguém Que deveria segurar-me a mão, Não sendo já o grito da minha mãe, Mas a partida do meu irmão. P.A.
Toda a cidade de Moscovo converge para o Kremlin onde nasceu o sacrifício de um povo fortificado pelo poder tenaz dos seus chefes, onde se acaba sempre por desembocar numa vontade férrea e superior de completar a vida.
Todos os poemas são uma fabricação Lenta de sentimentos que escorre Por uma folha de papel enrolada, Uma clareira de sons e palavras Resgatada numa mescla de corpo Pausada. Todos os poemas são uma transgressão Imprecisa de ideias que resvala Por sulcos de sangue ao longo da matéria, Um desequilíbrio de ausência, uma Necessidade de presença que convergem Para a morte concisa. Todos os poemas são a malha invisível Do tempo, cinzas de luz que se acendem No momento infinito sem palavras, Vozes de ninguém que a angústia lavra Ciente e meticulosa, curvada no silêncio Da terra e do infinito presente. Todos os poetas nascem pela impossibilidade De viver, numa encenação muda de contrários Como a morte de um tempo intervalar, Brotam como malabaristas no declive do espaço, Circulam perdidos num saber rotundo e cada um Contém na pele um mapa do mundo. Todos os poetas têm a lucidez de um grito, Uma raiz profunda, um eterno conflito, São pedaços de magma original que rasgam O solo em silêncio na direcção do fim De um ponto inicial. P.A.