quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Da rua


Vista de uma rua de Lisboa a vida é escassa, tudo e nada perante estrelas do começo do mundo. Calçada de odores que se entranha por frestas e tapumes de bairro, animada por uma esperança retardada de fim do dia, removida nos passos que pisam em esforço paralelos à beira de olhares parados que marcam o tempo às portas da realidade. Na rua nasceram todas as impressões esgrimidas sem rumo certo, encontros e desencontros colectivos, ideias e sentimentos que se dispersam no inumerável dos rostos e no incomensurável do seu espaço. Na rua nasceu a consciência sobre a desordem original, própria dos homens, materializada na vivência e interacção comuns como uma “cantiga da rua”. Nasceu a direcção em que cada um se agrupa e interage por uma individualidade inconstante e imprevisível, ilimitada por paixões, egoísmos, altruísmos, abusos que são a vontade de alimentar o imperfeito. Nasceu também a necessidade de cobrar essa desordem impressa e regular a condição humana, de orientar e preencher a anomalia do espaço e atenuar a ameaça das gentes. É a liberdade da rua que faz pensar, que hoje é tímida e ameaçadora, controlada no seu pulsar ínfimo que outrora gerou experiências e saberes construtivos. Não nasce agora, mas arrasta-se a liberdade como um sonho que se abate sobre uma interrogação finita, resgatada depois à pressa para casulos familiares intermitentes.

Aqui a vida é escassa para além do amor, gozamos dos acontecimentos em intervalos mudos e esquadrinhados ao sabor do destino recatado dos lares. Já é tarde pelas ruas de Lisboa. A noite é escura não se sabe bem porquê e são tantas as incertezas perante certeza tão grande. Apesar de tudo confiamos, lutamos e cansamo-nos para o futuro. Tenho saudades tuas. Vontade que a tua ausência irrigue o meu prazer inconstante. Jantaremos juntos num sítio longe de qualquer previsão, conversaremos de ocorrências vãs que alimentem a nossa importância, numa rua onde se sintam as estrelas do começo do mundo e a sua grandeza seja a nossa presença consciente.

P.A.

1 comentário:

Anónimo disse...

Partes de LX e das suas ruas para te dirigires a lugares incertos,
insondaveis e inconstantes. Parece q te sinto os passos! perdes-te na insegurança do desconhecido e reencontras-te na liberdade dos pensamentos e das emoções originais q são exclusivamente teus e onde ninguem te pode assustar. Ganhas firmeza e afastas os teus fantasmas e aí, então, deixas-te sentir saudades e brincar de novo com as ausências e com os prazeres inconstantes. Tb a mim, a liberdade da rua me atrai e me leva a imaginação e as emoções para lugares inatingiveis. O comentário já vai longo... adorei, como sempre