Depois de ler as primeiras páginas do livro "A mística do instante", de José Tolentino Mendonça, vi-me obrigado, desde logo, a celebrar a lucidez e profundidade da sua escrita, emanada de uma experiência humana integral de corpo e espírito, unidos numa presença permanente e fecunda com todos os momentos que nos são dados a viver, e dos quais não existe escapatória se quisermos caminhar com significado ao longo das etapas concretas e autênticas que nos ensinam "...em cada fragmento o infinito, a ouvir o marulhar da eternidade em cada som, a tocar o impalpável com os gestos mais simples, a saborear o esplêndido banquete daquilo que é frugal e escasso, inebriar-nos com o odor da flor sempre nova do instante".
Celebremos o momento em que os sentidos de amortizam numa síntese aberta e relaxante, quase anestesiante, deixando de filtrar os fenómenos como rotinas dadas e necessárias, para quebrarem a película real e participarem na essência particular das coisas. E a essência deverá ser algo que nos abraça e acolhe num estado corporal vibrante e enternecedor da vida. É o que sinto, e o que sinto encarna a minha história e o pulsar espontâneo de mim com o outro, que se afigura compensador, fascinante e até impossível. A "Mística do instante" retoma a simplicidade que rege o nosso caminho originário, a sua subsistência, aproveitamento e entrega perante a energia que nos circunda. Será sempre uma contemplação inconformista que se processa em pequenas esperanças de efeito imediato e renovado. Implica o desejo de aventura do inexplicável, do indizível, tal como a experiência do amor que coexiste num espaço e tempo fora do ritmo comum. É o caminho interior percorrido pela união entre céu e terra, sinalizado intensamente pelos sentidos, enriquecido pela vontade de segregar novos ciclos vitais, a cada dia, todos os dias que a eternidade se cumpre a cada instante, em que nos consumimos com prazer e dor como um puro charuto.
A presença é o concreto da existência e o instante a janela de oportunidade de que dispomos para viver, sentir, reflectir e amar. E é por esta flutuação existencial que se dá o encontro com o divino como experiência de fundo que toca o interior vazio de nós, na relação com o finito e seu significado único e efectivo. O instante não é um tempo neutro e rotineiro, mas um sabor prolongado pela respiração inefável que incorpora a fusão plena dos sentidos com a consciência de se estar a viver aquele momento na impossibilidade de outro. É na síntese momentânea de todos os elementos combinados por colisões atómicas intervalares, na mistura de acaso e necessidade, liberdade e determinação, que nos tornamos aprendizes de uma ordem transcendente. É pelo instante vivido na sua plenitude que nos apercebemos que somos nós próprios uma espécie de polegar de Deus, que um dia nos embutirá na pele do universo.
P.A.
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