domingo, 25 de maio de 2008

Piodão XII


É a hora de ouvir correr o sangue pelos sinos,
ouvir longe o som morrer por nosos olhos finos
P.A.

Piodão XI


P.A.

Piodão X


P.A.

Piodão IX


P.A.

Piodão VIII


P.A.

Piodãp VII


P.A.

Piodão VI


P.A.

Piodão V


P.A.

Piodão IV


P.A.

Piodão III


P.A.

Piodão II


P.A.

Piodão I



Hora de deixar cair os braços e ouvir os passos,

hora de partir a vida em breves pedaços

P.A.

Aldeia de Xisto


Poderia ser uma qualquer Aldeia perdida num Pais distante e exótico, motivo que tantas vezes nos faz percorrer milhares de quilómetros para saborearmos à pressa outros lugares, porventura vulgares, e que apenas se escondem envergonhados na memória fotográfica de turistas impacientes. É uma das dez Aldeias históricas de Portugal, talvez por isso, com muitas histórias para investigar e seduzir em pequenos folhetos turísticos, porque é isto meus amigos, que o País tem que vender à União Europeia, aquela unidade hipotética de esforços incompreendidos que ameaça a identidade das nações dissolvida na necessidade comum, aquela unidade que acaba muitas vezes numa metáfora morta entulhada de palavras sem raiz real.


Descemos à aldeia. Como está tudo tão longe! Tão longe mas reconhecido pelo silencio da nossa estada, porque não há vida desencontrada nem caminhos perdidos, apenas uma presença inflamada pela intenção das cores, lugares que se formaram para assinalarem a origem emergente do povo num território usurpado aos desígnios de Deus. Descemos à Aldeia, protegida do infinito de tudo, habitada pela necessidade de haver lugares distantes, aparecidos de uma antiga recompensa concedida pela terra a homens amortecidos na incerteza dos visitantes. A serra do Açor acolhe a Aldeia que vai crescendo pelo frémito das fachadas, ruelas que vão irrompendo na novidade que se compadece, espíritos intermitentes comunicam no silêncio das pedras que cobrem a Aldeia no limite do saber comum. A certeza das ruelas resvala pelo equívoco dos passos que se estancam por momentos na encosta incompleta, e acerca-se dos sentidos emparedados, resfriados pela pausa que fazemos à vida numa missão revista. Aqui os sentidos não pensam, descobrem-se sem poder desdizer uma Aldeia por acontecer e outra razão dispensam, afinal são as casas de xisto a unidade que se justifica a si própria e pende para outra existência possível como ervas que insistem em crescer à beira dos caminhos.

P.A.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Bruma


É sempre a luz baça do dia
que pelos sentidos se antevê,
a causa de uma cidade fria
em que minha razão não crê.

É pela bruma da cidade tolhida
que se reparte o que não penso,
compassado por uma luz vestida
de sons raros que não dispenso.

As distâncias são o limiar da bruma
que se adensa no desconhecimento,
a cidade inteira que se avoluma
pela novidade do esquecimento.

O impensado pelas ruas a cindir
no compasso dos sons distantes,
é a condição da existência a fingir
pelos arruamentos inconstantes.

Convenço-me que a vida se entrevê apenas
pela cidade cheia e razão vazia,
não conheço por isso senão ruas amenas
pelo olhar da existência tardia.

P.A.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Antes das Palavras ( Parte II )


“As palavras de cada um só se tornam palavras de todos quando perdem a sua intenção, ao degradarem-se progressivamente, como uma moeda nova e brilhante que escurece após ser posta em circulação. Em vez de coincidir com um valor, a palavra não é mais do que a etiqueta”.

Georges Gusdorf “A Palavra”

Disse que antes das palavras estamos nós que também somos uma linguagem permanente que se move com excepção, penso que assim é na nossa condição de existirmos na presença intransponível de um corpo único, na consumação de formas radicadas numa essência orientada pela disponibilidade vital. E estas palavras que escrevo? Que ouço? Que invoco e remexo na arca mental como um esqueleto onde se tentam fixar os músculos do pensamento? E estas palavras e outras e muitas que se propagam para agarrar um sentido atendível por quem as escuta? Se é que alguém verdadeiramente escuta, se é que alguém embarca na real intenção de significar do outro, se é que alguém puramente sente as palavras alheias sem que tal apresse o acto de falar também, ou, sem falar, o acto de consumar nas palavras do outro o próprio silêncio. Quando nos falam que mais ouvimos para além de alguns sons articulados que suscitam imagens em que revemos ou procuramos a nossa posição num palco comum? E estas palavras e outras e muitas que se jogam e arriscam nas relações do mundo, qual o seu sentido na fórmula reduzida de um mero código comunicativo, que converte idiossincrasias em convenções para assegurar a sobrevivência em sociedade?

São as palavras das coisas que definem o reencontro permanente com o real, fixando-o num eixo de nomes conhecidos pelo qual nos inserimos no mundo. Nomes que começam com a necessidade de definir a inconstância das aparências, atribuindo-lhes uma natureza objectiva e duradoura, manipulada para além da situação concreta, invocando a matéria ou acção nominais em qualquer espaço e tempo, sempre que o real imponha uma decifração a prazo, capaz de nos guiar em abstracção. Nomes que são a visão transformadora que temos do mundo por impulsos intencionais num esforço de adequação. São as palavras das coisas que trazem estas à existência, cobrindo-as de um significado próprio que as tiram do anonimato e as fixam numa rede de pensamento intemporal, actualizada pela memória a cada momento identificável. Estamos entendidos, falamos a mesma linguagem, partilhamos palavras que circulam como moeda de troca entre impressões, desejos, afectações, entre realidades substantiváveis que se alinham em catálogos estandardizados.

O que sobre então de cada um de nós? De seres autênticos e residuais na grande esfera comunicacional? De seres cuja linguagem se interpõe com frequência entre o real e o possível, entre o estabelecido e a origem da subjectividade, entre o conhecido e o indizível. Escutemos as crianças e os loucos para penetrarmos no poder criador das palavras, na carga expressiva que trespassa as barreiras do acordo nominal, para se expandir em novos campos de sentido. O que sobra de cada um de nós? De seres que a dado momento lutam na interioridade original e intransmissível contra os muros da linguagem imposta, a que não pertencem de todo porque já lhes foi dada no vício da história. O que sobra de cada um de nós? De seres que substituem muito bem o discurso social nas horas em que recolhem a casa e perguntam, afinal porque é que acabamos sempre por sair?

P.A.