Tudo está em tudo, a matéria
Desmonta-se em fragmentos de luz
Infinitos, o espírito carrega-se de carne
E ossos e segue todos os caminhos.
Volta-se o vento, as árvores são musas
Em poses indiscretas plantadas no sentido
Inverso à tempestade cósmica.
Entre o céu e a terra há em cada
Coisa parte de outra coisa, o mínimo
De cada uma é o grau menor das outras,
É impossível que deixe de o ser porque
O máximo de tudo contém todos
Os mínimos em si mesmos, e cada coisa
É grande e pequena à medida dos mundos
Que partem dos sentidos, enfrentam
O caos e criam o sonho e a técnica.
Em cada coisa o tempo é pouco e bastante,
Não nasce nem morre, é um fogo contínuo
Pelos meandros dos homens, peões atirados
A um lugar de cinzas, utopia de vontades
Insurgidas em cifras de saber rotundo.
Em cada coisa há uma espiral
Progressiva e regressiva tomada
Por vulcões maiores que acabarão
Noutras causas sem nome, tempo
Que não nasce nem morre,
Onde se vive e não se foge…
P.A.
A incerteza da razão
Sente-se por perto
Se guardas uma intenção
Sob o céu encoberto
E delicadeza dos ombros
Que se abate num suspiro
Entre mar de escombros
E olhar indeciso.
A lógica do amor
Perde-se no egoísmo
De um beijo incolor
E um simples silogismo
De braços caídos
A pouca distância
De sonhos vencidos
Sem grande importância.
Mas a clareza dos sentidos
Toca-se na luz ausente
Se soltas uma confissão
Como um astro transparente
E furor do teu rosto
Que se abre em sorrisos
Entre a brisa escalada de Agosto
E lábios de cobre concisos.
É assim que te sinto
Longe aqui ao meu lado
Neste estranho labirinto
De prazer desencontrado
Onde o amor é saudade
Quando foge e se admira,
Paixão da verdade
Razão da mentira.
P.A.
Resguarda-te do instante num abraço,
A cidade cresce voraz sem princípio
Nem ermo, um amplo embaraço de tons
Que nos chegam sem prévio aviso,
Esgrimidos no vácuo súbito sem termo,
Impondo outro tempo entristecido.
Isola-te do contínuo temporal sem história
E significado, e olha a sequência das mãos
Sobre o cristal polido da pele, dividida em
Grãos que marcam o momento consumado.
Evade-te do arresto das horas engolidas
Sem sentimento, a cidade são avenidas
Frívolas, carros comprimidos, edifícios
Inconsoláveis, pessoas sós no grande
Pavimento abstracto de vidas esquecidas.
Sai da rede de fluxos infindáveis,
Espalhada passivamente no acervo de rostos
Programados, dormentes introspectivos,
Quase impiedosos, anjos inconsequentes
Que vagueiam por universos paralelos entre
A indiferença e outros ideais furtivos.
Regressa por momentos à fantasia
Dos espaços, à disposição dos afectos,
À timidez do encanto, a um tempo
Adquirido que se possa encontrar,
Porque este é o nosso lugar.
P.A.