domingo, 30 de setembro de 2007
Madrugada
Vassalos da felicidade equestre
Que de noite recuperam imagens
Por que a vontade investe
Em madrugadas de outras margens.
Noite onde a felicidade figura
Em sonhos nobres e equidistantes,
abrindo delével fissura
pela noite dos semblantes.
Semblantes que na margem
Preferida preparam a felicidade,
Entre sonhos de vassalagem,
No sono da equidade.
P.A.
sábado, 29 de setembro de 2007
Criação
Valha-nos qualquer mão benevolente
Como a que no início tragou o mundo
Num equivoco cego de repente
Pondo-nos em cifras de saber rotundo.
Quebrou-se o barro de uma grande peça
E a boca sobra com meia asa segura,
Eclosão que logo a seguir nos resta
a libertar-se na lembrança que perdura.
Valha-nos não só a imagem com olhar de pena
De um Deus fixo sobre a peça abandonada,
como a sentença da obra criada sem tema
e a mão sobre a inquietação trasladada.
Hoje é grande o vácuo da imperfeição
Onde esculpimos a verdade em cada pedaço,
O que era vai sendo o esboço da redenção
Do advento quebrado em novo espaço.
P.A.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
Sociedade de controle
As transformações operadas nas duas últimas décadas, como resultado da aceleração dos fluxos de bens, ideias, serviços e pessoas, criaram novas realidades nacionais e transnacionais, assentes nas migrações e multiculturalismo, no desenvolvimento e globalização das tecnologias de comunicações e informações, no alargamento do comércio e respectivos mercados, e, consequentemente, na dependência e fragilização da soberania dos estados face a um novo espaço de interacção.
As denominadas “redes migratórias” informais surgem como uma realidade crescente, e assumem-se nos trilhos da clandestinidade, oriundas das mais diversas regiões, de modo cada vez mais organizado e estruturado. O fluxo de pessoas é subsequente ao desenvolvimento das tecnologias de comunicações e transportes, à alteração dos mecanismos de oferta e procura no mercado de trabalho face à maior ou menor qualificação dos migrantes.
Parece certo que os Estados se revelam incapazes de conter esses fluxos migratórios informais, num espaço transfronteiriço progressivamente lato e indefinido. Essa incapacidade poderá advir da falta de meios humanos e técnicos, do interesse instalado em determinados grupos ou organizações que protagonizam e incrementam as migrações clandestinas com a obtenção dos respectivos benefícios, e a quem os Estados poderão proteger no benefício político da aquisição de mão de obra não qualificada, para a eventual construção de obras públicas de projecção, ou ainda, da falta de vontade para se enfrentar uma realidade que é excessiva e desregulada desde a sua origem.
O défice de controlo externo dos Estados parece contrastar com a preocupação dos mesmos assegurarem o controlo interno das populações, com base na ameaça das minorias ilegais e desintegradas, para além das restantes minorias qualificadas que se encontrem em situação legal, e de todos nós que circulamos e convivemos em espaços potencialmente propícios ao desencadeamento de acções desviantes, cada vez mais vigiados, controlados, comprimidos na tensão de uma memória sempre futura. Pessoalmente, não tenho sentido uma perca nítida de liberdade ao acordar, mas reconheço que se deve tanto mais a uma fuga consciente e reprimida do que à realidade que me circunda.
O controlo individual justificado pela segurança colectiva é real, muito provavelmente necessário, por vezes legítimo. Contudo, o desejo de previsão do comportamento humano por parte da sociedade de controle, projectado na ameaça do imprevisível sobre a segurança e bem estar social, transporta-nos para um ambiente de tolerância zero, de vigilância total, de compressão de dados informativos que poderão ir até ao mais íntimo filamento carnal.
À semelhança de “Minority Report” de Steven Spielberg”, já somos sujeitos à leitura da íris para efeitos de controlo identificativo. Poderemos nada temer, mas a possibilidade de dissecação e correlação de dados numa grande memória actualizada e monitorizada à distância é, no mínimo, inquietante.
O poder repressivo e coercivo como reacção directa e consequente sobre acções que quebrem o regular funcionamento das normas sociais, deram lugar a um poder preventivo e discricionário, que actua no silêncio e sobriedade do controle permanente, antes da explosão do crime. Nesta óptica, na sociedade de controlo ou normativa, os indivíduos são vigiados e acompanhados desde o início da sua formação, no pulsar constante da sua existência, com o objectivo de prevenir e agir antes do desvio.
Restar-nos-ão, porventura, as intenções e os sentimentos que, tal como os fluxos migratórios informais, têm uma génese excessiva e desregulada, antecedem qualquer linguagem processada por medida, e permitem-nos dissimular a violência dos desejos escondidos. Porque somos pessoas que seguimos o espaço e o tempo com excepção, arrastamos os sentidos pela paisagem imiscuída de opacidade e tons, lascamos o universo à nossa medida, amamos, dependemos, consentimos, exasperamos, delinquímos, desviamo-nos para justificar-mos o acaso que somos, porque seremos sempre uma ameaça.
P.A.
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
Portal
Esta hora é vestida de intenções,
Da rua reflectida advém um rosto
Pelo mural feito de convicções
Até ao cais de algum barco suposto.
Tudo supõe e relembra no pensar
Qualquer coisa que está por ver,
Um prazer declinável por passar
Sobre uma construção para crer.
Este momento é outro qualquer
Que se enleva no portal já criado,
Que nem um vento presente sequer,
Atenuará o espírito rechaçado.
P.A.
Um só acto
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Pretextos
“É provável que o direito de intervenção humanitária venha a ser mais frequentemente invocado nos anos vindouros – talvez justificadamente, talvez não – agora que o sistema de dissuasão entrou em colapso (permitindo mais liberdade de acção) e que os pretextos da guerra fria perderam a sua eficácia (o que obriga ao surgimento de novos pretextos)”
Chomsky, Noam – “ O Novo Humanismo Militar”, 1999
No contexto da nova ordem mundial, parece-me oportuno transcrever Noam Chomsky sobre a intervenção da Nato na Jugoslávia na sequência da crise do Kosovo. No seguimento desta intervenção adianta o autor o surgimento de uma nova era das questões mundiais, uma era em que os “Estados iluminados” poderão usar a força nos casos em que a “considerem justa”, ignorando as “antigas e restritivas leis” e obedecendo a “modernas noções de Justiça” que modelam à sua própria maneira. “A crise no Kososvo ilustra… a nova disposição da América para fazer o que considera justo – não obstante o direito internacional”
A intervenção militar da NATO liderada pelos E.U.A., sob o pretexto de uma acção humanitária como resposta às atrocidades Sérvias no Kosovo, encontra algo de semelhante na intervenção militar no Iraque, desta vez sob novo pretexto, já completamente desmistificado, a segurança mundial face à ameaça de armas de destruição maciça. Pretexto este que, pontualmente se entrelaçava noutro pretexto, também ele humanitário, a violação dos direitos humanos de Saddam Hussein sobre o seu próprio povo.
No jogo de pretextos resta-nos saber qual o pretexto que prevalece à nova ordem mundial, liderada por uma só potência que não hesita muito em substituir os palcos diplomáticos pelos cenários de guerra. Se esse pretexto que, em tempo oportuno, deverá ser subjacente a uma avaliação histórica e rigorosa dos factos e uma previsão consciente dos acontecimentos, não emanar das instituições convencionalmente reguladoras, então corremos o risco de, como diz um amigo, “ quem vier a seguir que feche a porta”, ou pelo menos, que ajude o tempo a apagar o erro da memória colectiva.
P.A.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Vazio
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
Espera
Quedos na tela da manhã
Onde o frio é só o frio
E o movimento coisa vã,
Esperamos como um rio.
Como um rio que passa e espera
Na serenidade de o percorrermos
Pelo pensamento que se altera
Sem contudo o sabermos.
As coisas são só aquilo que são
Quando a vida é rectilínea
E alegre na nossa incompreensão
Como o rio que entretinha.
P.A.
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
Mistério
Pára em dia de verão e esquecimento
Uma brisa de sudário escarpada,
Rostos que vão lendo o rebento
Do mistério presente da cruz passada.
Toca-nos o mistério enquanto passamos
Num sopro de dedos gratuito,
Intruso das horas em que recordamos
Acções vãs num fundo convicto.
O mistério é esquecimento em dia de verão
Visto na presença que trespassa,
Indecifrável cravado na razão
Como anjo fundido na cena que passa.
P.A.
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