domingo, 4 de novembro de 2007

Carrís da Consciência


Passei muitas horas a ouvir o barulho de ferros resignados que oscilam pelos carris fixos ao destino. Amontoados de pessoas sem princípio, sem mistério, sem aparição. Homens e mulheres, crianças pequenas que berram o desconsolo assente, outras que riem o vórtice das cores que as atiram para o jogo dos sentidos, e ainda outras, alheias aos berros que acham não haver semelhança alguma com aqueles que alguma vez possam ter saído das suas bocas, vão contando conversas dos pais distraídos, ou peripécias da solidão surgidas junto do armário de brinquedos. Compreendem o mundo por motivações puras, vêem as coisas sem o vício do seu nome, riem pelo jogo da novidade que é a melhor maneira de aprender a mudança. Mais uma estação. Olha-se para quem entra e distraímos a nudez do destino. Muitos já deixaram o jogo da novidade, cresceram na previsão de um possível descalabro, dum insucesso sentido por todos, ou um amor desviante que nunca lhes pertencerá. Que desilusão me atropela quando sinto que tantas vezes arrasto as situações em vez de as recriar. Alguém disse um dia: Por vezes é preciso fazer merda. Fazer de conta que é assim, tracejar a realidade a fundo pela interioridade ilimitada, sabotar os carris da consciência contra o muro previsto, recriando cada tijolo na insuficiente paciência de encontrar, desarticular as hastes do olhar para além da substância, num realismo infantil construído internamente sem aviso. Hoje habituo-me à surpresa e o hábito surpreende-me. Sinto as coisas pela distância de as compreender e junto-lhes outra causa indizível. Outra estação. As crianças saltam, riem e não esperam. O comboio parou para mim e para elas não. Não prolongam a melancolia de um tempo projectado. Vivem-no inversamente numa novidade súbita. São o exterior vivido das coisas, tocam-lhes e anunciam a sua presença.

P.A.

2 comentários:

Anónimo disse...

S�rgio, gostei imenso! perante as palavras q vais deixando no "papel", deixas-me poucas p fazer qqr coment�rio decente. Mesmo assim aqui vai: Cada x mais a tua escrita � uma psican�lise cheia de profundidade q revela um conhecimento mto grande da natureza humana. Ler-te � para mim 1 enriquecimento a v�rios niveis. Devias publicar

Anónimo disse...

bem escrito, bem "baptizado" e bem ilustrado...
agora que conheço o blog quero mais, força...