Mais um café depois de uma refeição afocinhada no tabuleiro de um qualquer Centro Comercial. Adolescentes precários inventam-se em roupas aplicadas na desordem dos corpos como palhaços tristes, jovens bancários e vendedores apressados, pálidos do dever, vertebrados da ocasião soluçam conversas enviesadas e creditadas formalmente, remetendo os sorrisos para os passos da menina da botica. Mulheres revêem-se lentamente em reflexos de montras numa crença imediata que falta à volúpia excitante de uma saia. Estilhaços de crianças descentradas compulsivamente como cursores à descoberta dos seus heróis.
Levantei-me e segui o cenário num andar quase incorpóreo de quem recorda o presente escoado e moribundo. Talvez ir ao cinema ver um daqueles filmes como “Desafio Total”, “Combate Final”ou “Encontro Fatal”, actores espadaúdos, plastificados de músculos, de aspecto cansado de tanto personificarem os nossos desejos e ilusões. Talvez ir buscar-te ao emprego, comprar o jornal, sorver mais um café, aquilo que demais nos faz levantar todas as manhãs e se reparte pelo reconhecimento possível das coisas, emergido de outro espaço e tempo abreviados de explicação. Falaremos pelo caminho ou talvez surjas a propósito de silenciarmos o que temos para dizer, guardado como o último trunfo no final do dia.
Repouso a percepção nas coisas sustentada pela memória a longo prazo sem a qual seria cego de tudo. Vejo recordando o tinir de imagens escolhidas para a ocasião sem esforço. Outras mais difíceis de acesso ao armazém de experiências actualizadas de acordo com o conteúdo percepcionado. Um sonhador em estado de vigília que percorre o fluido de vivências emolduradas no quarto de infância, um estranho que se abate sobre a memória do presente rutilante e inconsequente como um sonho primordial.
Afinal sigo em direcção a Sintra e pelo caminho lançam-se pontes inacabadas entre bairros poeirentos, onde se inventam lojas e cafés à espera de moribundos que caiam como insectos mortos. Recordo o presente, identifico-lhe os contornos e enquadro-o sem querer na memória já futura. Hoje é assim, amanhã talvez seja diferente e surja uma qualquer árvore sem o vício de se chamar árvore, um beijo sem o vício do cumprimento que o banaliza, uma estrada que não seja para seguir. Amanhã talvez siga em direcção a Sintra, pela primeira vez, depois de te ir buscar ao emprego e trazer-te pura nos gestos que nunca vi, apenas a memória do que irá acontecer.
P.A.
Levantei-me e segui o cenário num andar quase incorpóreo de quem recorda o presente escoado e moribundo. Talvez ir ao cinema ver um daqueles filmes como “Desafio Total”, “Combate Final”ou “Encontro Fatal”, actores espadaúdos, plastificados de músculos, de aspecto cansado de tanto personificarem os nossos desejos e ilusões. Talvez ir buscar-te ao emprego, comprar o jornal, sorver mais um café, aquilo que demais nos faz levantar todas as manhãs e se reparte pelo reconhecimento possível das coisas, emergido de outro espaço e tempo abreviados de explicação. Falaremos pelo caminho ou talvez surjas a propósito de silenciarmos o que temos para dizer, guardado como o último trunfo no final do dia.
Repouso a percepção nas coisas sustentada pela memória a longo prazo sem a qual seria cego de tudo. Vejo recordando o tinir de imagens escolhidas para a ocasião sem esforço. Outras mais difíceis de acesso ao armazém de experiências actualizadas de acordo com o conteúdo percepcionado. Um sonhador em estado de vigília que percorre o fluido de vivências emolduradas no quarto de infância, um estranho que se abate sobre a memória do presente rutilante e inconsequente como um sonho primordial.
Afinal sigo em direcção a Sintra e pelo caminho lançam-se pontes inacabadas entre bairros poeirentos, onde se inventam lojas e cafés à espera de moribundos que caiam como insectos mortos. Recordo o presente, identifico-lhe os contornos e enquadro-o sem querer na memória já futura. Hoje é assim, amanhã talvez seja diferente e surja uma qualquer árvore sem o vício de se chamar árvore, um beijo sem o vício do cumprimento que o banaliza, uma estrada que não seja para seguir. Amanhã talvez siga em direcção a Sintra, pela primeira vez, depois de te ir buscar ao emprego e trazer-te pura nos gestos que nunca vi, apenas a memória do que irá acontecer.
P.A.
1 comentário:
É profundo, genialmente escrito e, como os demais, revelador de uma sensibilidade muito especial do autor. As " imagens" levam-me até ao mundo mágico das sensações indiziveis.
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