A aula terminou infalível. Os apontamentos são a síntese da ideia principal do autor degenerada nas interpretações do professor e dos alunos. Não há questões, as cabeças debruçam-se nas últimas frases captadas para encherem folhas papagueadas e atiradas depois para dentro das pastas apressadas pelo rescaldo das ideias. Escrevi nada. Se algo houvesse que merecesse ser escrito seria o silêncio infiltrado da filosofia, o vazio de sentido emerso em bocados de realidade que se tentam nivelar, porque a razão das palavras é sempre um desequilíbrio a posteriori sedimentado em ideias feitas. A aula esteve distante, viemos tarde para os Deuses, heróis e ninfas numa couraça de conceitos que se estancam no espírito, autómatos das palavras sem o sangue que as configura, atulhámo-nos em signos e não em coisas como hóspedes da terra e da vida, a realidade avoluma-se em explicações compiladas pela obesidade académica ao invés de se alimentar de visões precipitadas por vales fecundos, de vontades activadas nas montanhas do silêncio rarefeito, de vivências desbravadas pelo torpor dos músculos e ligeireza do intelecto.
Intervalo para o cigarro e algumas considerações antes de outra aula. São muitos os livros, os autores, tempo que se gastou a não ler mas a rememorar artefactos e interpretações avulsas que tentam arrancar o autor do seu silêncio primeiro. O mundo sempre já aqui a gastar-se em palavras que são alienações redundantes do hábito de ser, sinais de outras coisas que se apresentam ao espírito balbuciadas pela dúvida essencial, pelo acaso terreno, pela impressão.
Outra aula distante, de repente embarco no discurso, ouço as palavras do professor como uma percussão afagada entre o passado e o possível que desencadeia um conforto de estarmos a viver em simultâneo. O autor escreveu muito, pensou demais, reconcilio-me com seu pensamento entranhado nos nossos dias como o frenesim de comunicação num átrio de gente sem se perceber uma só voz, estranho ruído propagado em rascunho à procura de um sentido, de um mote para nos encontrarmos. São cegos e mudos os encargos do nosso fundamento, abandonados a um cavar lento de causas invertidas até ao centro da terra como crianças que seguram um brinquedo ao contrário. As palavras levam-nos a atenção de ser, desalegram-nos, desentristece-nos, vestem-nos de razões gastas que emolduram o acaso. Basta o silêncio para nos soltar o mais íntimo filamento carnal de interacção com o outro e percebermos uma causa. Antes das palavras estamos nós que também somos uma linguagem permanente que se move com excepção por órgãos, músculos e ossos, a emergir no exterior como ondas de calor, a arrastar a essência pela paisagem imiscuída de opacidade e tons, sem nome, lascada na imperfeição muda que se compensa, só para justificarmos o acaso que somos.
P.A.
1 comentário:
Tu és, sem dúvida, 1 filho do Surrealismo! se pintasses
serias Salvador Dalí, n na sua excentricidade qs demente, mas no correr lento das cores q deixou nas suas telas(tu no papel), e a profunda sensaÇão q deixa em alguns de nós do absurdo da "verdade", da "realidade"
, daquilo q ninguem ousa pensar e mto menos verbalizar, mas q dói cá
dentro, silenciosamente e nos aflige de morte.Às xs nem sabemos bem o q é...tx a sensação vaga e difusa, no entanto opressiva, de q algo dentro de nós está terrivelmente mal e tb do lado de fora...
"Antes Das Palavras" sugere-me tudo isto e o q vamos perdendo qdo deixamos de saltar nas poças de água da chuva;qdo qdo deixamos de conseguir rir até às lágrimas; qdo nos começamos a arrepiar na praia e deixamos de ir ao banho e qdo deixamos de nos arrepiar qdo ouvimos uma melodia genial; qdo deixamos de nos entregar aos outros com medo de sofrer e, por último, qdo deixamos de conseguia amar até à exaustão...
Este texto tem mto mais para comentar, mas as minhas palavras já são mtas
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