sábado, 18 de agosto de 2007

IMANÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA


Sempre me questionei sobre os mecanismos racionais que suportam os actos de fé, considerando que a noção de Deus e a fé na sua existência é um acto consciente e racional, ao ponto de elevar os homens a atitudes radicais ou mesmo fundamentalistas como sentido último da vida.

A fé a as suas manifestações organizadas em dogmas religiosos é um fenómeno global e intrínseco à própria natureza humana. No caso da religião islâmica, traduzida como a submissão à vontade de Deus, o homem deposita as suas capacidades e competências numa omnisciência divina, que encerra em si própria o ser absoluto.

Tudo aquilo que não emana da perfeição absoluta, para além dos profetas como mensageiros privilegiados das revelações transcendentes, mostra-se imperfeito, precário e sujeito às vicissitudes do tempo, no fundo, mostra-se ameaçador.

Parece-me que a pendência entre imanência ou manifestações terrenas e transcendência ou absoluto longínquo, joga-se num tabuleiro real e global, afecta a compreensão humana e leva a posições radicais.

Neste contexto, se considerarmos que o islamismo pende para a transcendência em desfavor da imanência, que em caso extremo, se traduz na anulação da vontade e autonomia humanas, submetidas à exaltação da vontade e luz divinas, a ameaça alarga-se ao vasto desígnio humano.

Sobre isto penso que ambos os planos do real devem ser vividos na sua globalidade. E porque a ambos pertencemos nos elementos combinados aleatoriamente, por colisões atómicas intervalares numa mistura de acaso e necessidade. Porque as esferas planetárias são coágulos ejectados e arrefecidos no princípio da matéria. Porque temos a capacidade de pensar o nosso isolamento como representantes aprendizes de uma ordem transcendente, que aperfeiçoamos por linguagens criadas ou decifradas no jogo possível do já existente. Porque é grande a nossa presença rotunda encerrada por um Deus gravítico numa orbita perpétua. Porque, quem sabe? Não habitaremos o próprio corpo divino, e a terra seja uma espécie de polegar que um dia nos embutirá na crosta da morte.

Prezamos vulgarmente Deus fora da matéria terrena, em atmosferas concêntricas e perfeitas, alimentado à distância, prostrado numa região muda e moralista. Um Deus de sentido incorpóreo e niilista, sustentado por imperativos necessários de obediência. Radicais e fundamentalistas, enganar-se-ão se não interrogarem a transcendência na sua presença quotidiana e próxima, integrada no caminho de casa para o trabalho, numa ordem viva superior. Enganar-se-ão se pensarem que Deus é incompatível com a tecnocracia e progresso humano, com o peso do espírito condensado aqui e agora.

P.A.

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