Ao fim da tarde o olhar repousa no brilho ténue da Praia, em tons breves que se misturam no cansaço do dia e se preparam para as últimas anotações. Ainda tem dois anos e meio e brinca com outra criança de cinco anos que captou na altura no meio da praia, num Abril quase deserto e desinteressado. Afasto-me alguns metros para dar espaço e tempo àquele momento, volto-me cadenciadamente para o meio da praia para ir cuidando de uma presença sempre diferente. O olhar repousa na brisa de sons do entardecer e aglutina-se num sentimento soberbo e diverso de vida, que interfere pelo corpo numa corrente de prazer tranquilo. O olhar esgueira-se novamente para o meio da praia onde as crianças tecem movimentos alheios noutro prazer que é o meu, influente e fecundo como as partículas do universo, como os tons do entardecer. A mais velha intervém na areia na dependência da acção e segurança das formas. O meu inicia a cada momento gestos imprecisos de uma grande etapa para mover as pás do moinho, que ora regridem na resistência da areia ora espalham grãos efusivos até atingirem a outra, que de imediato se levanta para berrar de olhos fechados. É preciso tempo filho. Tempo para remover e sentir os grãos de areia escoarem-se entre os dedos ou caírem nas pás do moinho como os primeiros movimentos do universo a repercutirem-se na inocência dos gestos, a formarem a noção de espaço e só depois de tempo, a serem um todo de areia, moinho, dedos, entendimento, água, vento, aqui e além, tons do entardecer.
P.A.
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